terça-feira, 23 de março de 2010

ENCARCERADOS CONTO

Sentia fé.
Sentia a segurança com que ele a cercava, com força, a mesma que mantinha o velho carvalho em pé, há muitos anos, à frente da casa. Majestoso,demarcando o lugar.
Ele a protegia de algo sem face,sem identidade, invisível, que fazia brotar em seu interior um receio de estar lá fora. Assustador.
Protegia, mas tornava o medo muito maior.
Ele lhe ocupava todos os espaços, ficava entre ela e a luz, produzindo sombras em seu mundo.
Sombras que se interpunham entre a paixão que lhe cegava, e a vontade de ter asas para ver além do velho carvalho,de experimentar,de conhecer,de poder fazer escolhas sem culpa.
À princípio não notou a prisão,não estavam à vista as grades que a impediam de ir e vir, mas os grilhões apareciam em forma de buquês de flores perfeitas sobre a cama,sem data especial; ou , em pacotes atrativos,fechados com laços de cetim,escondendo uma supresa doce.
Muitas vezes surpreendeu os grilhões em seu olhar interrogativo,que tentava descobrir a razão de sua risada mais solta,mais feliz em meio aos amigos que ainda tinha.
Sem perceber, ele fez surgir a suspeita nela,fez com que essa suspeita crescesse ao ponto de descobrir finalmente, que era prisioneira. Ele sem querer,lhe mostrou o caminho da fuga,que eram à princípio de curtas distâncias,ao alcance dele.
Fuga difícil, pois se deixou aprisionar nas verdades dele,nas vontades dele. Dormia e acordava nas certezas dele. Viveu a vida dele; tornou-se uma parte dele, sem ser e, não se deu conta.
Ele era sua lua, a iluminava.
Ele era seu sol,a aquecia.
Ele também era um ladrão sorrateiro que lhe roubou a essência.
Começou a fugir do olhar dele, da voz dele, dos abraços dele. Foi escapando pela porta dos fundos, depois pela porta da frente,aos poucos,porém, se surpreendia ao vê-lo à sua espera...
-Não vais voltar?
-Não sentes falta de sua casa?
-Não gostas mais de lá?
Era sutil,nunca se colocava nos quetionamentos,não existia a primeira pessoa, só que agora ela percebia que a primeira pessoa estava lá, oculta. Por que isso ? Perguntava-se. Talves temesse a resposta reveladora e pressentida.
-Não, não volto !
-Não, não sinto falta!
-Não, não gosto mais de lá!
Ele lhe deu a passagem, lhe mostrou o caminho.
Magnânimo?
Inocente?
Dissimulado?
Normal. Tudo seguia numa aparência normal,na superfície,mas as pedrinhas,marcando o caminho da fuga,já estavam lá.
Não havia mais jeito,não havia nenhuma proteção,nenhum conforto que a fizesse ficar.
Esperou o último dia de férias dele,para escapar e não poder ser seguida, encontrada e novamente aprisionada.
Abraçou-o, manifestou-lhe a saudade que sentiria ,durante a breve viagem. Subiu no trem , carregando uma única mala,onde juntou poucos pertences; só deixou o amor que ainda sentia por ele.
Sorriu no sorriso dele.
Acompanhou com a mão,o adeus dele.
Esperou o trem se distanciar para gritar:
-Não volto mais !
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Viu a dor da surpresa que congelou o sorriso dele, viu os passos cambaleantes,ensaiando a corrida na plataforma da estação,tentando alcançá-la.
Inutilmente,continuava encarcerado no amor por ela..

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