sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NORMAL

Você cresceu,agora está com pressa.
Eu? Devagar...tropeçando na calçada.
Você quase corre, a rua atravessa,
não anda mais comigo de mãos dadas.

Meus passos lentos me seguram na esquina.
Você vai apressado,sem perceber que eu,fiquei lá.
A vida inteira diante de você se descortina,
eu não consigo chegar onde você está.

Acordo tarde,não sei seu paradeiro.
O tempo voa,não volta mais esse segundo,
talvez você já esteja no estrangeiro,
eu,preferindo as paredes do meu mundo.

Cabelos brancos,foi bem longe a minha idade,
minha vontade esqueceu de me avisar,
a emoção me traz de volta com saudade,
do puro afeto esparramado em seu olhar.

O sol se esconde mas,reina todo dia,
mesmo se há um tremendo temporal.
A lua prata vira sonho,fantasia,
descansa com esperança meu dia a dia tão normal.

Para meus dois filhos Rafael e Fernando: que esse temporal que nos atingiu não os afaste um do outro. Vocês são resultado de muito amor,por favor enxerguem isso. Fernando ,acalme seu coração,sorria mais para quem realmente importa nessa vida: seu pai,sua mãe e seu irmão.
Ei! Nós te amamos,nunca duvide disso.
Rafa,sei o quanto tudo isso te atinge pois a família é muito especial para você,suas tatuagens "falam" por você,aliás é um discurso;sei que essas datas se tornaram complicadas,principalmente para quem cresceu acreditando na magia do Papai Noel e na família unida. À minha maneira tento ajuda-los mas não sou perfeita, apesar de mãe. Se eu puder pedir um presente...
Olhem bem um para o outro: "Cara ,você é meu irmão,com você eu posso contar,vamos aproveitar melhor a convivência cheia de amor, com nossos pais enquanto eles ainda estão aqui". Sinto muito ter causado sofrimento a vocês,se eu pudesse não o causaria .
O meu amor por vocês é imenso. Quero que esse mesmo amor tenha casa própria em seus corações e que estejam com os tributos sempre em dia e, se um por algum motivo perderem essa "moradia",que o outro ofereça abrigo. Um Natal cheio de paz.
Com amor sua mãe Marileide.
24-12-2010 (C G. MS)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

UM POUCO MAIS DE GOZO

Vou roubar a alegria
que você espalha sem critério,
tal como a lua que se apropria
da luz solar,sem mistério.

Vou entrar na roda mais cedo,
não estacionar em nenhuma esquina,
tocar com a ponta do dedo,
minhas lembranças de menina.

Viajar na emoção de carona,
não aceitar a imaginação rasa,
do meu coração ser dona;
voar,pois ainda tenho asas.

O preço de qualquer pecado
já paguei,foi muito alto:
O tempo perdido,parado,
a vida sem sobressalto.

Vou deixar de lado o meu medo
de naufragar nesse mundo ardiloso,
ser mais serena,guardar menos segredos.
Um pouco mais livre,um pouco mais de gozo.

sábado, 27 de novembro de 2010

ACORDE AMOR

Acorda,amor!
O seu olhar
ainda é inocente,
descansado mas, errante,
procurando repousar.
Eu estou do outro lado,
sem a inocência de antes,
com a verdade de agora
e, o medo de outrora,
tentando me encontrar.

Acorda,amor!
O seu sorriso
é doce ,ilumina,
abre portas,constrói ninhos,
clareia os seus caminhos,
te conduz sem tropeçar.
Eu estou do outro lado,
tão perto...tão distante
e,não sei como ir adiante,
só quero te encontrar.

Acorda ,amor!
O tempo
desenha em seu corpo
rabiscos descoordenados,
mapas de velhos tesouros,
que a vida não vai guardar.
Eu estou do outro lado.
O sol queima meus segredos,
a noite espõe os meus medos,
difícil de escapar.

Acorda, amor!
Os seus passos
são livres prá ir e vir.
Cumpra suas promessas
pois o tempo é bem curtinho,
agindo como eterno,
fugindo do inevitável.
Eu estou do outro lado,
sem corpo,sem face,sem graça.
Sou sombra que perde os traços,
o breu invade meu espaço,
tentando me apagar.

Acorda,amor!
Saia desse quartinho,
atravesse meu caminho,
mude tudo com um abraço,
me leve prá outro canto.
Não quero estar desse lado.
Vamos ficar bem juntinhos,
nessa nova estação.
Quero pegar esse trem,
bem segura em sua mão,
em busca de sonhos mais lindos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Caminho

O caminho comprido
leva você.
O caminho dá voltas,
regressa prá mim,
é leito de rio
que desaguou.
Beijo roubado,
lembra de mim,
dê o recado,
eu posso te ler.
Coração mal amado,
faça de tudo,
lamba as próprias feridas,
grite bem alto.
Não fique mudo,
dê o recado.
A noite é bem longa
antes do amanhecer...
Olhe prá trás,
vem me salvar.
Estou prisioneira,
vem me soltar.
Estou perdida,
vem me encontrar.
Estou machucada,
vem me curar.
Estou vazia,
vem me amar.
Estou tão triste,
o que eu faço,
doce palhaço?
Vem me alegrar.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

" AGA"

Você não me pede mais,
"Qué aga manhêê !
Você não me mostra mais,
onde dói.
Você não bate mais
à minha porta,do quarto,
nas tardes de sábados
enquanto tento estudar
para a prova da faculdade,
"Manhêê !Ô Manhêê !Ô Manhêê!
" Aaabi manhêê!
Toc- toc-toc !
Você não pede mais o meu colo
prá me sufocar num abraço,
grudando sua bochecha
em meu rosto.
Gostoso aperto!
Você não brinca mais
de esconde-esconde com seu irmão,
e adormece dentro do guarda roupa,
em meio às calças de seu pai
enquanto eu e Rafa lhe procuramos
pela casa,apavorados...
Você não perde mais,
a fala,diante das bicicletas
deixadas pelo Papai Noel
ao lado da àrvore de Natal,
naquela manhã especial:
"Rafa! Acorda! Vem vê!
Papai Noel trazeu !"
Você não anda mais
em seu skate pelas ruas,calçadas e praças
da cidade,fazendo mil manobras
e virando Bob.
Você não toca mais sua guitarra,
mas...
Eu ainda hoje
continuo dando ága a você.
Eu ainda hoje
quero te por no colo
prá sentir o seu abraço apertado.
Eu ainda hoje
ouço emocionada
você dedilhando aquela Sonata
em seu violão.
Que momento singelo!
Eu ainda hoje
olho prá você e vejo:
Cabeção, Bob, Nandu, Fê,
escondidos atrás do rosto sério
do moço muito amado.
Fernando,meu filho.

Para meu filho Fernando.
Quero apenas que você se sinta feliz.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ESTRELAS DE SAL

Por um tempo
que achei eterno,
vivi-bebi-comi você.
Eu não existia.
Não era mais eu.
Também não éramos nós.
Era só você.
Você. Você. Você.
Tudo era tão normal.
Tudo era tão simples.
Tudo era tão leve,
como comer salada de flor.
Nada falava.
Nada contava para mim.
Nada me avisava
que meu chão era de vidro.
Areia movediça...
Criei espaços,espectativas.
Nada me escondia.
Nada me guardava.
Nada me prendia,
nem com sedas,
nem com correntes.
O dia e a noite amantes
na lida,na sala,na cama.
Só via diamantes
na cortina dos meus olhos.
Que derreteram
inundando meu mundo.
Caíram em meu colo...
Na verdade eram
estrelas de sal.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

NO DIA MAIS TRISTE

No dia mais triste
não alimentei a palavra amor,
ela morreu em minha boca.
Não senti o medo da dor,
a dor já morava em mim.

No dia mais triste
o sorriso ensaiou diante do silêncio.
minhas mãos me agarraram,
colocaram-me no colo da solidão.
Fechei os olhos prá minha escuridão.

No dia mais triste
o sol se acobertou em nuvens cinzas.
Minguou tímida a lua
sem forças de entrar na casa,
apenas pintou claridade na parede crua.

No dia mais triste
suicidei-me a todo instante,
olhando estrelas de sal
que vagavam perdidas entre poeiras.
Escondi-me no abismo fatal
do soluço de uma garganta que me engolia voraz.

No dia mais triste
você abriu gavetas e fechou portas.
Deixou na caixa dos meus sentimentos,
doces lembranças empilhadas e mortas
e,as suas costas cravadas em meu pensamento.

No dia mais triste
a faca cega do seu rompimento,
deixou ferido o meu sonho antigo,
deixou no limbo o meu sofrimento.
Perdi a crença em amor-amigo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

VEM COMIGO

O seu olho no meu
olha em lago profundo.
Sua pele na minha
é campo minado.
Minha boca na sua,
buquê perfumado.
Meu corpo no seu
é gota de mel,
galopante corcel.

Nós dois de improviso,
vai longe o juízo.
Na cama ,na rede,
em pé na parede...
O carinho descuidado
no tocar,cheirar,ver,
não me dei conta
dos corações disparados.

Sua voz bem baixinha
me diz coisas no ouvido...
É vento,é brisa
que docemente avisa
"Vou te levar ao infinito".
Chuva forte,tempestade,
enxurrada inundando,
você diz aflito,
"Vem comigo! Vem comigo!"

Sua mão relaxada
desfaz diamantes,
que derretem salgados,
entre os amantes.
Luz da lua em prata
curiosa,intrigante
não tem paradeiro,
tem medo de se queimar
nesse lindo braseiro.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

LOTES DE EMOÇÕES

Olho d'água.
Garganta trancada.
Um resto de mágoa
não pede passagem
prá iniciar a viagem.
Arrebenta o peito
e,inunda sem jeito
o rosto desfeito.

Janela aberta
em noite de terror.
Moldura da dor,
do retrato falado
do seu abandono.
Minha vida em bocados.
Minha vida sem cor.

Leito de rio.
Nada em descanso.
A água segue o curso...
Eu quero um dia manso
e,um bom voo noturno.

Mágoa guardada.
Vida parada.
Sem esperança..
Quem sabe o coração cansa
de viver a pessoa amada,
de bater em porta fechada.

Bolo de rolo.
Nós dois juntinhos
entre a cama e o cobertor.
Um resto de gozo fininho...
Recheio molhado com ardor.

PRIMEIRO AMOR

Não sei mais
falar desse amor.
Desse que aperta o peito.
Desse que sangra em despeito.
Desse que é inocente,sem jeito.
Desse que se acha perfeito.

Não sei mais
falar desse amor.
Desse que cavalga sem freio.
Desse que conspira sem receio.
Desse que morre entre os seios.
Desse que se lambuza em recreio.

Não sei mais
falar desse amor.
Desse que esconde bilhetes.
Desse que manda ramalhetes.
Desse que arrepia sobre alfinetes.
Desse que reparte deleites.

Não sei mais
falar desse amor.
Desse que divide segredo.
Desse que acaricia com a ponta do dedo.
Desse que ignora o medo.
Desse que acontece mais cedo.

Não sei mais
falar desse amor.
Desse que no beijo,te faz voar.
Desse que ilumina o seu caminhar.
Desse que traz luar no brilho do olhar.
Desse que só deseja amar!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A REDE

Mari Antunes

Passa carro...passarinho.
Passa avião...a fumaça.
Foge rápida a pombinha
que rouba de minha mão.
Fico assustada e perdida
nessa esquina da vida:
sem avançar o sinal,
sem meu biscoito de sal.

Passa carro...passarinho.
Passa avião...a ambulância.
Ecoa sinistra a sirene
pedindo passagem em vão.
Há uma pressa que teme
chegar tão tarde ao encontro
ou,ser pega pelo monstro
da louca civilização.

Passa carro...passarinho.
Passa avião. Fica a solidão.
As luzes esparramadas
brincam de serem estrelas
mas,são belas armadilhas!
No concreto fiquei menina,mãe,antes filha...
Labirintos de pedras e vidros
se fecharam em paredes,
me prenderam dentro da rede.

A REDE

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A PALAVRA... poema

Está sumida a palavra
que revela o doce mistério
que é tentar advinhar,
o que me dizem seus olhos.

Não precisa da palavra...
quem só alimenta o tesão:
é tudo cara na cara,
é tudo mão na mão,
é tudo beijo no beijo,
dura pouco a intenção...

A palavra
é uma faca serrilhada
na boca cheia de ódio,
arrebenta quando entra
e,quando sai, deixa destruição.

Eu ainda acredito,
minha teimosia espera
que a palavra é algodão doce,
na boca de que pronuncia,
solidária se derrete,
ouvidas por certas pessoas.

A palavra que eu guardo
na maleta da emoção,
recebe minha visita,
nada de obrigação,
é a palavra saudade
que me traz recordação...

A palavra de nós dois
pisou descalça nas nuvens,
foi levada de repente
prá dentro de uma tormenta,
desde então tanquei a porta
que conduz ao coração.

As palavras que agora amo
não são aquelas impressas
de simples significação.
São palavras que eu ouço
enquanto faço o jantar
ou, em minha sala de estar
bebendo uma taça de vinho;
palavras que eu sei de cor.
São palavras com histórias.
São palavras com memórias.
Cantam juntas ,misturadas,
me fazem desejar ser melhor.
São as palavras que brilham
nas canções de Belchior.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

ARDENTE poema

Céu de breu,vento estocado.
Noite rude,noite com fome.
Leito tão quente,corpo orvalhado.
A dança sem nome.
O fogo apagado.

Na manha da manhã
não há luz de lampião.
O dia é puro sangue.
Meu corpo é puro sal.
Esse momento é quase doce
de laranja lima limão.

O sol que queima sua pele,
derrete minha emoção.
Um pouco de água fria
prá acalmar a sua febre
e,o ardor dessa paixão.

terça-feira, 8 de junho de 2010

VEM AMOR poema

Vem amor.
Está na hora.
Está no jeito...
Vou fazer nossa cama na varanda
ou balançar despreocupados na rede amarela.
O céu está estrelado e a noite branda.
Um bom final para o dia de aquarela.

Vem amor.
Está na hora.
Está no jeito...
A tempestade varreu todo o começo,
nos colocou nessa linha pendurados...
Até na paz o mundo botou preço.
Felicidade não manda mais recado.

Vem amor.
Está na hora.
Está no jeito...
Não quero o mundo,apenas um quintal,
prá por meus bichos,as plantas,os pés no chão.
Um enderêço aos amigos e prá chegar o meu jornal.
A sensação perigosa de equilíbrio no sabão.

Vem amor.
Está na hora.
Está no jeito...
A insegurança tempera esse mundo imperfeito
mas,se você me der a sua mão,
no quarto escuro vou encontrar o nosso leito
e,em fogo lento vou queimar essa paixão.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

SAGA DE SAPATINHO poema

Sapatinho se prendeu na gelatina,
ficou com uma forma bizarra.
Nadou doze meses na piscina,
foi retirado quase na marra
todo lambuzado de mel e purpurina.

Sapatinho de lã.
Sapatinho estava fofo de lã,
pisou macio em meu rosto,
quis passear de manhã.
meus abraços ele fez de encosto
e eu virei sua maior fã.

Sapatinho de lona.
Sapatinho se cobriu com a lona,
correu feliz pela praça,
de seu coração virei dona.
O mundo era seu e de graça.
O seu quarto,um circo,uma zona.

Sapatinho de vidro.
Sapatinho brincou na areia,se sujou de vidro.
Construiu um castelo encantado,
colocou sua felicidade num quadro,
andou nas nuvens,avoado,
com apreensão daqueles dias me lembro.

Sapatinho de couro.
Sapatinho foi ao campo,se vestiu de couro.
Queria conforto e segurança.
Andou procurando um tesouro
que poderia ter sido uma criança
ou um grande pote de ouro.

Sapatinho de algodão.
Alguém bondoso vestiu Sapatinho de algodão.
Depositou-o tranquilo na caixa.
Negros e brancos,ricos e pobres no salão
conversam com as vozes baixas
pois falhou seu coração.

terça-feira, 1 de junho de 2010

POLEIRO DE ANJOS poema

Não sei se foi o destino
ou falta de acomodação,
juntaram-se alguns meninos
dentro de um barracão.

Alguns deles de família,
outros...também assim.
Diferentes na ilha,
se acomodaram no fim.

Os mais velhos aqui se encostaram,
não são exemplos a seguir,
bebem,fumam,também roncam.
Fazem a visita fugir.

Os mais novos,que esperança!
Seguem essa sina de loucos,
nem adultos,nem crianças,
aprontam tudo,como poucos.

Nesse poleiro de anjos
sem muita arrumação,
seguem a vida os marmanjos,
fazendo muita armação.

Gue veio do interior
atrás do amor e emprego.
Não vai mais ser doutor,
êle quer muito sossego.

Todo final de semana
desidrata-se com cerveja.
Não é bobo,não se engana.
Segunda,a mão do patrão ele beija.

Êle é amigo de Nando,
menino de pavio curto e, calado.
A latinha prá Nando,vai dando...
Quem sofre é a mãe do coitado.

Nando gasta um tempo tremendo,
diante do computador,
cria coisas que só vendo...
e,se afasta do mundo assustador.

Raf tem bons sentimentos
mas distribui sem critérios,
por isso sofre os tomentos
de quem não o leva a sério.

É o menino alegria
até sofrer uma dor,
envolve-se com tantas Marias
que sua vida fica sem cor.

Num cantinho espremido,
num cativeiro bem quente,
Jea e os seus comprimidos
prás dores que o corpo sente.

É o único na faculdade.
Vive à base de miojo.
Tem uma rara especialidade,
a de viver no estojo.

De livre e espontânea vontade,
para lá se bandeou,
estabanado apesar da idade,
quantas coisas ele quebrou.

Muitos são os seus amigos
que aqui recebem atenção.
Tem pão,afeto no abrigo,
sempre cabe um coração.

Todos juntos,ainda unidos,
se arranham pelo caminho,
na família são queridos,
mesmo estando fora do ninho.

Dedico este poema a: Rafael,Fernando, Guel,Jean,moradores do Poleiro e os amigos Alessandro,Bruno,Maurício,Jefferson,Cássio,Baia,Otoni,Lucas( reduto masculino).

domingo, 30 de maio de 2010

TER

Eu tenho a cor.
Você a vê?
Ela está em minha cara pálida,
faz desenho secreto com o arco-íris,
se esconde em minha forma esquálida
pois,você quer me descolorir.

Eu tenho o som.
Você o ouve?
Ele pulsa em minhas veias frágeis,
toca surdo em meu coração que é manso,
se espalha nas extremidades ágeis
do meu ser que vibra sem descanso.

Eu tenho o rítmo.
Você o segue?
Ele move o meu corpo humano,
me conduz a caminho estranhos,
me faz vencer um dia a cada ano,
faz uma corrente com amigos ganhos.

Eu tenho a dor.
Você a sente?
Ela aperta sem dó meu peito,
não há remédio que me torne imune.
O mal existe,o mundo não é perfeito;
se Deus castiga,ninguém fica impune.

Eu tenho a fome.
Você percebe?
Ela me faz procurar o alimento
nas páginas do livro,entre meus amigos,em minhas viagens,
em qualquer coisa,se preciso for eu até invento.
Prá saciá-la saio desse meio e,fico só nas margens...

Eu quero o amor.
Você me dá?
Que ele seja manso e venha sem alarde.
Leve e firme como algodão doce.
Que encontre em mim sua metade.
Às vezes complacente,às vezes combativo.
Um pouco de pimenta só para esquentar.
Que não seja eterno e sim alternativo.
Que saiba a hora de avançar e quando recuar.
Que ao final do dia quando à casa retornar,
traga seu sorriso e a flor prá me ofertar.

sábado, 29 de maio de 2010

APENAS... poema

Eu não conto os amigos.
Eu não coleciono objetos.
Eu não gosto de creme com figo.
Eu não tenho vícios nem desafetos.
Eu apenas...
Sigo na suavidade do vento,
ofereço o ombro,estendo a mão.
Minha sombra solitária é alento
que o sol deita no chão.

Eu não confesso os pecados.
Eu não protejo com correntes.
Eu não lido bem com dados.
Eu não tenho fé,não sou crente.
Eu apenas...
Falo com ele de um jeito normal;
assuntos amenos,questões do meu dia,
se não tem resposta a mim não faz mal.
Alguém que me ouve no chão da coxia.

Eu não disputo mil milhas.
Eu não falo pelos cotovelos.
Eu não vivo numa ilha.
Eu não curto muito o gelo.
Eu apenas...
Boto fé na pessoa
que me abraça sem alarde,
divide comigo o sol,a lua,a garoa
e,se quiser voltar que não seja tarde.

Eu não estou muito em moda.
Eu não sigo as tendências.
Eu não me junto a uma roda.
Eu não sei lidar com urgências.
Eu apenas...
Visto uma armadura de aço
pois a vida corta sem dó com espada.
Tira lascas de uns,de outros,pedaços.
É alto o preço que se paga por nada.

Eu não distribuo panfletos.
Eu não grito verdades.
Eu não mostro meus defeitos.
Eu não lembro minha idade.
Eu apenas...
Guardo energia em bocados
prá molhar a minha sede,acalmar minha fome;
prá poder aguentar o fardo
que é,você esquecer meu nome.

Eu não sei falar de amor.
Eu não disfarço a saudade.
Eu não reparto minha dor.
Eu não gosto da maldade.
Eu apenas...
Te levo o café na cama,
beijo suave suas costas.
O olhar avisa que te ama,
Gesto de ternura não precisa respostas.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

PASSA,TEMPO ! poema

Essa noite foi estranha.
Depois de tantas apostas,
tive um sonho que me acanha,
meu rosto,roçando suas costas,
última coisa que você me deu.

Passa, tempo.
Sopra, vento.
Vai levando essa saudade
que escoa devagar
mas,cá dentro do meu peito,
me engana,não tem jeito,
sempre nova,sem idade,
sempre pronta prá lembrar.

Quando abro a janela,
pela grade,os varais.
O meu quarto virou cela.
Nosso amor que era eterno,
nossa vida que era bela,
escapou pelos beirais.

Passa,tempo.
Sopra,vento.
Seca a lágrima a derramar.
Dia,noite ,noite,dia,
essa dor que não tem par,
do meu coração judia.

sábado, 15 de maio de 2010

SÓ VERSOS poema

Só assim chamei sua atenção,
te ligando às três da manhã,
te prendendo na ligação,
docemente desenhando a fã.

Eu não vivo como todo mundo,
rio muito das piadas que faço,
escondo o mais negro no fundo,
quebro fácil,não sou feita de aço.

Sua voz cansada adormece,
me lembra veludo-voal.
O sol em meu céu aparece,
me encanta o seu tom pessoal.

Meu amor sobre o branco lençol,
eu sei que a chuva vai cair,
então aproveito o restinho de sol,
antes que a noite o faça sumir.

terça-feira, 11 de maio de 2010

MINHA JANELA E... SUA JANELA poema

Numa discussão à toa
que não levaria à nada,
você me chamou de coroa,
tiazona, carente, passada.

Você tem certa razão.
Numa visão eletrônica,
sou cega,não entendo a questão,
minha vida é mais orgânica.

Não sou nada virtual,
muito lenta na internet.
Blog,orkut,twiter,prá você é cabal,
prá mim,é reciclar garrafa pet.

Gosto de ler um bom jornal
e,me sentir bem atual.
Gosto de sentir meus pés no chão
e,do que posso alcançar com as mãos.

Gosto de inesperada viagem.
Gosto do que vejo em minha janela,
do rio manso,os bichos,a mata,que tela!
Do meu feijão com arroz na panela.

Gosto de sentir a gota fria da chuva,
que desenha em minha face uma curva.
gosto de abocanhar o cacho de uva,
de ver o trabalho diligente da saúva,
de seus túneis perfeitos que lhe servem como luva.

gosto de conhecer gente
que põe no riso a alegria que sente,
de escolher uma boa semente,
fazer nascer uma flor mais resistente
e,que a beleza seja mais permanente.

Gosto de acordar bem cedo,
beber o café,lembrar de um segredo,
cantar com as aves um inusitado enrêdo.
Sondar a tempestade com medo
mas, saber que aí,Deus pôs o dedo.

Gosto de percorrer o planeta,
à pé,de carro,até de motoneta.
Ter sempre pronta minha maleta.
Conhecer povos,costumes em novas facetas.

Gosto de estar longe de espaços espremidos,
de não ter que tomar meus comprimidos,
de saber que só eu decido,
se devo ou não, liberar minha libido.

Gosto de sentir um pouco de maldade,
desejar que essa sua pouca idade,
lhe dá uma noção curta da realidade,
lhe prendendo nos luminosos falsos da cidade.

Gosto de saber que essa sua cela,
está cercada de prédios altos e ruelas,
que sua vida sem sol,lhe amarela,
que só botões conseguem abrir sua janela,
que as imagens mostradas em sua tela,
são artificiais,nenhuma surpresa lhe revela.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

HOJE poema

Hoje estou muito triste.
Quero estar só,não ter gente ao meu redor,
só o sol, que minha dor assiste.
Essa história eu sei de cor.

Hoje eu preciso de um abraço
que me salve,que me diga:Conte comigo,
te dou paz no meu espaço!
Eu só preciso de um amigo.

Hoje eu quero falar de um amor.
Amor a completar.
Amor em reticência...
Amor no mundo sozinho.
Amor minha eexistência.

Hoje eu preciso de paz.
Descansar o olhar em lago manso,
me perder,me prender,tanto faz.
Afogar meu coração na superfície em descanso.

Hoje eu preciso esquecer
que o meu hoje,custa passar cada dia,
que tento sobreviver sem te ver,
que da casa foi levada a alegria.

Hoje eu quero falar de um amor.
Amor prá me culpar.
Amor prá te explicar.
Amor com intenção.
Amor de vida breve.

terça-feira, 4 de maio de 2010

LATINA AMERICANA (Corumbá)

Gosto de viver aqui,
onde as coisas andam sem pressa,
onde não se faz promessa
que não se possa cumprir.

É doce viver na beira,
final de mundo,ponta,fronteira.
Ver a língua mansa do rio,
lambendo a margem seca,no cio.

Água,bichos do cerrado.
Campo de Deus cultivado.
Lida dura,boiadeira
faz do homem arquiteto
na planície pantaneira.

É mais latino americano
o sangue de minha veia,
por pouco se incendeia,
debaixo da mormaceira.

O sagrado e o profano
se unem em rezaria,
pagam a fé em oferenda,
acreditam em antiga lenda,
de uma praga rogada.
A tal sandalha enterrada.

Tantos santos,tantos pecados.
É Cosme,é Damião.
É Antonio,Pedro e João,
um grupo de animação;
todos juntos na festança,
revivem a esperança.

É mais latino americano,
o coração de minha gente,
dança e canta com os hermanos,
as dores que o povo sente.

A cidade bem abrigada
entre o rio e a morraria,
queria quem sabe,ser ilha.
Águas doces,calmaria,
espelho que Deus sempre mira.

É mais latino americano
a língua comprida do trem,
desbravando o Pantanal,
de Miranda à Coruumbá.
Na janela eu me encanto:
Êta mundão natural!

Em Santa Cruz de La Sierra,
eu não me sinto estranha,
tô em casa,sou um pouco castelhana.
Em La Paz no artiplano,
minha mochila não pesa,
carrego comigo apenas,
a saudade do meu bem.

A língua comprida do caminho,
me traz de volta prá casa.
Por um momento no ninho,
tomando um tereré,
roda de amigos no cais,
um causo, uma aventura a mais.
Só descansando minhas asas...
Por do sol no Pantanal.
Luz da lua em Corumbá.

LATINA AMERICANA

segunda-feira, 26 de abril de 2010

EU E ELE poema

Ele é o amigo de todos.
Eu tenho poucos eleitos.
Ele curte viagens sozinho.
Eu gosto com companhia.
Ele é cheio de cultura.
Eu "aprendo" à sombra dele.
Ele é rápido em tomar decisões.
Eu analiso qualquer questão.
Ele segue em direção ao futuro.
Eu fico presa ao passado.
Ele realiza mil projetos.
Eu tento cuidar do quintal.
Ele é "gente muito boa".
Eu carrego grande porção.
Ele ouve músicas prá relaxar.
Eu guardei os meus cds.

Eu não faço mais parte dele.
Ele ainda mora em mim.
Eu não estou mais com ele.
Ele há muito me esqueceu.
Eu perambulo pelo shopping.
Ele explora o cerrado.
Eu ainda ouço sua voz.
Ele se irrita ao me ouvir.
Eu deixei de me alimentar.
Ele come por nós dois.
Eu estou pele e osso.
Ele dobrou de tamanho.
Eu fiquei sem os "amigos".
Ele se juntou a uma tribo.
Eu tenho medo de tudo.
Ele é muito positivo.

Ele se enfurece por pouco.
Eu aguento tudo calada.
Ele é muito sociável.
Eu me escondo em mim mesma.
Ele cai e já se levanta.
Eu fico estendida ao chão.
Ele diz palavras amorosas.
Eu as guardo no coração.

Eu tenho um amor infinito.
Ele não se entrega a ninguém.
Eu sou fiel,tenho respeito.
Ele não perde tempo com isso.
Eu jurei o"até à morte".
ele cumpriu o "até que nos separe".

sexta-feira, 23 de abril de 2010

IN THE CITY poema

Saí do campo em viagem,
quis rever os meus parentes,
usei cavalo-canoa-trem
prá alcançar a minha gente.

Na cidade uma loucura,
carros-ladrão-fumaça,
já me deu uma tontura.
Me senti a própria caça.

Abraçei minha sacola
como meu galo de estimação.
Gente andando ou pedindo esmola,
outras dormindo no chão.

Subi numa caixa apertada
de nome "elevador",
minha cara desbotada,
mostrava o meu temor.

Naqueles dois quartos e sala,
tentava matar o tempo
abrindo e fechando a mala...
Mudei de comportamento.

Até no computador,
com os dedos de catar milho,
"entendi" o difícil labor,
escolhido por meu filho.

Sem ter muito o que fazer,
no apartamento pequeno,
peguei o binóculo prá ver
o tamanho do terreno.

As pessoas, lá embaixo,
a mim parecem formigas,
de tribos que não me encaixo.
A solidão é bem vestida.

Aqui dessa janela,
fiquei à parte observando,
entendi que não vivo na cela,
pois não faço parte do bando.

É surreal a brincadeira
de por olhar em janelas,
espreitamos a vida alheia
e, queima o arroz na panela.

Do alto do arranha-céu,
vejo alguém à minha espreita,
se esconde por trás do véu,
de uma cortina perfeita.

Ele? Ela? o que deseja?
Me olhando assim sorrateira,
me causando brotoejas.
Quem mandou fazer besteira?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

VAMPIRO poema

Quando está perto
tudo está certo.
Uivos estridentes,
sede saciada.

Língua tão fria.
Beijo tão quente.
Sangue tão doce.
Corpo esgotado.

Pele tão branca.
Barba cerrada.
olhos tão negros.
Portas sem trancas.
Leito perfeito.

Medos antigos.
Abraços roubados.
Lança perigo.
bicho malvado.

Voa vampiro.
Entra em sacadas.
Longos suspiros.
Estacas enterradas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

DANCE COMIGO poema

Há muita chuva lá fora.
Há muito cinza lá fora.
Nem tudo está muito claro.
Nem tudo está explicado.
Pregam sorrisos nas caras
que engolem despercebidos,
em meio à solidão das pessoas.

Então,venha dançar comigo.
Então,venha voar comigo
nas letras de uma doce canção.
Não precisamos de asas.
Não precisamos de casas,
nem compromisso de anel,
só navegar em águas rasas,
no barquinho de papel.

Há muita gente que corre.
Há muita gente que morre,
abafando a dor que sentem.
O trem da vida passa com pressa,
fica sem tempo a promessa
que se fazem enquanto crescem.
Dá-se valor à aparência.
Fica perdida a inocência.

Então,venha dançar comigo.
Então,venha voar comigo.
Fique um pouco insano
pois, a gente se ajeita querido
nas dobras desse mundo tirano
e, se a noite estiver muito escura,
há um jeito de não sair ferido,
vista uma armadura colorida,
faça proteção de ternura
e,trate tudo como semente.
Essa é a nossa última chance
de não virar gado de novo
pois, o curral ainda cerca a gente.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A SUA AUSÊNCIA poema

A sua ausência,
me faz esconder o choro durante o banho,
me faz perder coisas,minha própria identidade,
ler bilhetes antigos,rever retratos estranhos,
me faz arquitetar alguma maldade.

A sua ausência,
me faz vagar sem rumo pela cidade,
ficar alheia ao perigo que me espreita,
não ter a precaução que vem com a idade,
ficar feliz com portas abertas e ruas estreitas.

A sua ausência,
me faz sonhar com o que não tenho,
me faz ignorar a imagem no espelho,
me faz desejar um dia mais ameno
e, duvidar de todos os conselhos.

A sua ausência,
me obriga a aceitar a inesperada liberdade,
iniciar a longa e solitária viagem,
não tolerar essa atual realidade,
de carregar tão pesada bagagem.

A sua ausência,
me faz querer o vento fustigando o meu rosto,
me faz guardar o riso louco em campo aberto,
desejar o aconchego no coração dos outros,
tentar sobreviver em meu caminho incerto.

A sua ausência,
me força a sair de meu conforto e enfrentar o mundo,
deixar o quarto escuro, acordar mais cedo,
lembrar que o sol que cega é o mesmo que aquece,
tentar ter fé, orar com uma nova prece.

A sua ausência,
me faz compreender que agora sou metade,
torna minha dor um pouco mais quieta,
me faz plantar amor e colher bondade,
me faz pintar palavras e me ousar poeta.

domingo, 18 de abril de 2010

LOBO NO ASFALTO poema

Sou lobo no asfalto
com tempo na estrada.
Saindo da toca.
Roubando de assalto.

Eu não sou o alvo.
Eu estou a salvo.
Eu estou seguro
em cantos escuros.

Adoro a lua,
minha vida crua.
Sou bicho matreiro.
Sou bicho felino.
Instinto certeiro
e, o meu destino,
é estar sozinho.

Disputo abraços.
os beijos eu caço.
Descubro caminhos,
mata-lixo-matilha.
Dados rolando,
animal acuado.
Amante na noite.
Dono da trilha.

Meu uivo te chama.
Meu uivo reclama,
onde está você?

Espinho de cáctus.
Garras afiadas.
Fera ferida.
Noite sombria.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

CAVALO DE TRÓIA poema

Você chega de fininho,
esperto-alerta-matreiro.
Abre portas,constrói ninho,
de meu coração,vira porteiro,
vizinho-inquilino-guardião,
me põe na palma de sua mão.

Ando em corda bamba,
me sinto equilibrista,
você não dá nenhuma pista,
não mostra o mapa da mina,
de onde tudo começa
e onde tudo termina.

Perco o juízo,o prumo,
barata tonta,sem rumo.
Perco todos os sentidos.
Perco o amuleto secreto.
Subo a montanha mais alta,
prá gritar o meu afeto.

Mas...você não sabe querido
que cavalo de tróia arranjou,
sou lagarta do deserto
que adormece em areia quente,
se pensas me enganar,nem tente,
enquanto um olho se fecha,
o outro fica mais esperto!

Minha roupa é de camaleão.
Possuo as sete vidas do gato.
Não joguei todos os dados.
Não perdi meu rebolado.
Tenho a última carta do baralho.
Posso alimentar a fogueira.
Distribuir dor em retalhos,
fazer qualquer besteira,
virar fada,virar bruxa,
fazer poção,alquimia,
aguentar qualquer parada.

Portanto...Não se sinta seguro,
não és o rei do pedaço.
Posso saltar desse muro.
Um último aviso lhe faço:
Meu coração é forasteiro,
é navio no estaleiro
mas, pronto para zarpar!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

OLHAR OCULTO poema

Você pensa
que,o que fazes tem perdão,
não causa dor nem desafeição.
Você age
como o trem bala,
como desgovernado vagão
que perdeu o rumo dos trilhos.
De onde viestes?
Prá onde vais?
Você vive
feito equilibrista em linha tênue,
entre o errado e o certo,
entre o céu eo inferno.
Faz tudo parecer bobeira,
se esconde atrás dessas besteiras
e não mostra a verdadeira cara.
Não mostra a nuvem negra
que passa por seus olhos.
Olhos de gato.
Olhos de lobo.
Olhos de anjo.
Eu vejo esse olhar oculto
que habita a noite que te rodeia.
Eu vejo a sua cara feia.
Eu vejo o sorriso que te impermeia,
que não me deixa entrar
e que te faz ficar tão só!
Seu coração só anda maxucado,
não dás tempo para a cura,
buscando o ser amado,
que lhe dê muita ternura,
que lhe ilumine a escuridão,
que lhe entregue o coração,
que traga sorriso aos seus olhos.
Olhos de gato.
Olhos de lobo.
Olhos de anjo.
Olhos de menino.

Para você ,tão especial em minha vida. Rafa.
(escrito no quarto do hotel,numa madrugada fria em La Paz, esperando -te voltar da balada- janeiro de 2009)
"Guenta" coração de mãe!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

"CUVITEIRA" conto

_Berta !
Ninguém a chamava pelo nome, Belinda, só pelo apelido que, aliás não gostava. Parou de súbito a caminhada apressada,à saída do colégio; voltou-se e, a viu correndo em sua direção.
Sabia seu nome, Alicinha,porém só a via de vez em quando,durante o recreio,mas nunca se falaram. Pertenciam a mundos diferentes,não dividiam amigos, não frequentavam a mesma sala de aula,mas eram da mesma série.
O mundo de Alicinha era povoado de coisas caras,era o que pensava Belinda,roupas bonitas,mochila da moda; o pai a buscava à porta da escola com um carro brilhoso,grande. Belinda já tinha visto até foto da família dela,no jornal da cidade; diziam que o pai de Alicinha era fazendeiro.
O mundo de Belinha, era repleto de obrigações,horários determinados,por isso a pressa à saída do colégio. Era um mundo oprimido pela ignorância da mãe e a autoridade do pai, não havia descanso,pois até a cama de solteiro,era dividida com a irmã. O momento do almoço era para ela o pior,a mãe colocava o arroz,o feijão,o ovo frito e três rodelas de tomate,cimentados na marmita de alumínio,não podia esquentar a comida fria,pois a cozinha já havia sido limpa pela mãe. Belinda beliscava a comida,não sentia fome diante daquela marmita.
Os dias de Belinda eram longos mas, as noites eram mais longas ainda. Os pais sempre discutiam à noite quando o pai chegava do trabalho, as brigas eram sempre por causa dos irmãos que queriam ficar" o dia todo" no campinho jogando bola e, de lá vinham com as roupas sujas de terra vermelha .
Belinda tinha dois amores na vida: os livros de contos de fada que lia na biblioteca do colégio, e o pequeno porquinho branco com bolas pretas que ganhou do padrinho;Brinquinho a seguia por toda a parte,quando estava em casa.
Belinda olhou Alicinha rapidamente,ficou envergonhada. Alicinha parecia a boneca que estava na vitrine de uma loja no centro e, que Belinda admirava e desejava secretamente,todas as vezes que passava por ali, seu caminho para casa. Alicinha era loura, olhos azuis,os cabelos eram cheios de cachinhos presos por fitas cor de rosa. Menina bonita até com o uniforme cinza do colégio.
Belinda estava de uniforme também mas faltava-lhe um botão na camisa de gola puída;os sapatos pretos,não brilhavam mais de tão gastos ;os cabelos castanhos,secos,escapuliam do elástico encardido e frouxo que os prendiam no rabo de cavalo.
Alguns livros estavam com as capas de papel de pão, rasgadas. Os cadernos tinham orelhas,estavam à mostra em seu braço magro. Belinda não tinha nem uma sacola para carregá-los ou escondê-los da curiosidade de Alicinha.
Ficou esperando com os olhos abaixados.
_Você mora perto da casa do Pedro Luiz, Não é ?
Fez que sim com a cabeça.
_Entrega prá ele ! Eu quero resposta, diz a ele!
Passou para as mãos de Belinha,uma folha de papel de brochura,bem dobrada, em seguida voltou correndo para perto da rodinha das amigas que riam animadas.
Belinda segurou aquele pequeno papel dobrado,como quem segura um tesouro, ficou imóvel um instante,depois olhou ao redor mas não enxergou nada, ninguém; o que viu foi ela mesma: grande, maravilhosa,poderosa.
De repente deixou de ter importância as manhãs com fome, a comida fria no almoço,os gritos da mãe, as noites sem espaço na cama, o frio das madrugadas com cobertor pequeno para duas,ela e a irmã.Acordada,o olhar pregado nas sombras das árvores do quintal que dançavam feitos montros,na parede do quarto.
Andou distraída,depois apressou os passos e ,quase sem perceber,começou a correr. Corria desenfreadamente,subia a ladeira de paralelepípedo sem olhar para o chão,o coração estava a ponto de escapulir pela boca pequena.
As lágrimas escorriam empurradas pelo vento, dando o gosto salgado na boca; não chorava, ria, ria muito. Felicidade! Gestos pequenos podem te alcançar! Sentia-se suspensa,flutuava. Avistou ao longe sobre o aterro, a vila em que morava, viu a mãe com as mãos na cintura, na frente do portão da casa,gritando com os irmãos que jogavam bola, na terra vermelha.
Viu ele, Pedro Luiz, com a bola presa debaixo do braço esquerdo, estava de calção, sem camisa, descalço,com os cabelos pretos-lisos-fartos,caindo-lhe sobre a testa. Belinda, pela primeira vez olhou para ele, seu olhar era descobridor,interessado. Achou-o bonito.
Entrou apressada,jogou os cadernos sobre a mesa,sentindo o rosto quente como fogo. A claridade de fora cegou-a no ambiente escuro da cozinha , virou-se para sair pela porta e se chocou com algo duro como uma parede.
Era o pai.
_O que você esconde aí?
Belinda olhou para cima aos poucos,escalando aquele obstáculo gigantesco, até encontrar os olhos escuros,escondidos atrás de sombrancelhas grossas e negras. O papel lhe foi arrancado violentamente das mãos,desdobrado e lido pelo pai.
_ Sua "CUVITEIRA !"
Belinda sentiu a pancada da voz, da palavra, esmagando-a, encolhendo-a, açoitando-a, prensando-a no canto escuro da parede,onde caiu sentada,se encolhendo com o rosto enfiado entre os joelhos.
Começou a chorar por ter feito algo tão grave e ter decepcionado o pai.
_( O que era cuviteira ? Não sabia. )
Pegou o papel amassado, jogado com desprêzo ao chão. Leu nas letras infantis,como as dela mesma,bem desenhadas dentro de um coração o recado:
_GOSTO DE VOCÊ.

Obs. Alcoviteira: Mexeriqueira, leva e traz, que serve de intermediário em relações amorosas.

terça-feira, 13 de abril de 2010

ELA SOU EU, SOMOS NÓS poema

Quando ela surge na pista,
vejo que não está à procura,
simplesmente quer ser vista
em qualquer rítmo,sem censura.

Enquanto a música toca,
seu corpo reluz sob luz forte,
lembranças felizes evoca,
quem lembra,tem muita sorte.

Quem a vê assim tão bela,
não pensa em nada obsceno,
apenas uma ingênua tela,
pintada de um jeito sereno.

Quando a música termina,
ficamos um pouco perdidos:
É a música? É a menina?
Outra vez sós, outra vez sofridos...

Escapo com ela na dança,
outra vez o livro aberto.
Renasce um pouco a esperança,
antes o tarde do que o certo.

O grande espelho da vida
revela a imagem despida:
Ela sou eu, somos nós
sem disfarce, reprimidas.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A LÁGRIMA poema

Há uma gota de lágrima
que rola-aumenta-embola-atola-estanca,
aprisiona o soluço na garganta,
quer sair-fugir-escapar-escorrer
por mil poros-tubos-canais.
Pulsa, se expreme,se expulsa,
cai prisioneira
no buraco que cavou.
Faz doer o peito,
deixa tenso,hipertenso o coração.

Há uma gota de lágrima,
densa-imensa-não cansa,
quer se bandear-baldear-enxarcar.
Não faz ruído,nenhum gemido,
apenas brilha,
descansa na beira
do olhar perdido,
se abastece enquanto cresce,
não da pista, é masoquista.
Parasita do medo,do segredo,
faz enredo.

Há uma gota de lágrima
que desliza-escorrega-descarrega
na extremidade afiada da lâmina,
que talha-entalha-da forma.
Ganha cor do rubor e sabor do suor,
que estampa-espanta-ganha fama,
é porta,tampa,caixa,estátua,escultura.

Há uma gota de lágrima
na ponta do espinho fininho,
que desce-umidece-segue a trilha,
cai do alto,um salto,no chão,
se alarga,se esconde-por onde-profundo.
Milhões de gotas,ritual tão atual,no mundo
desnudo-concreto-tão certo-na terra
que espera-agoniza-sedenta
faz milagre,nasce a flor.

domingo, 11 de abril de 2010

GOLPE DE MESTRE poema

Como um temporal de verão,
desstruidor e sorrateiro,
você pôs fim à relação,
num golpe de mestre, certeiro.
Tão trágico, tão anormal,
não há palavras prá descrever
aquele dia fatal,
só as lágrimas,que tento conter.

Então, depois de um tempo,
eis que você aparece
alheio ao meu sofrimento.
Quer agradar,quer ser simpático,
é totalmente enfático:
"Você é forte!"
Só que a fortaleza
mantém serena a superfície,
disfarça meu dia difícil.

"Estás uma beleza!"
Só que a tinta que colore meu rosto
e desaparece na água cristalina,
esconde uma imensa tristeza.
Viver, já não tem tanto gosto,
essa é a minha sina.
Todo dia ensaio presente,
ainda que a alma invente
que tudo passa nessa vida,
mesmo não cicatrizando a ferida.

sábado, 10 de abril de 2010

PACO

_Mataram Paco!
Não me encontrava alí,aliás não sabia onde estava.Há muito,ou pouco tempo,não tinha noção, meus olhos eram prisioneiros de gotinhas d'água que jorravam da mangueira,pressionada pelo meu dedo polegar,fazendo chuveirinho. Estava molhando as plantas próximas à varanda do
sítio;meu corpo estava alí mas meus pensamentos,estavam longe,muito longe,em nenhum lugar.
Aquelas gotinhas que caiam,eram sugadas rapidamente,se escondiam no interior da terra seca,umedecendo-a; junto com as gotinhas,ía o que mais incomodava e pesava em meu coração.Sentia-me vazia,ou melhor leve,aberta à sensações revigoradoras.
Susto!
Tudo que estava suspenso,longe,espalhado,de repente se juntou no tranco,colocando-me inteira,lúcida,presente,alí,no lugar,no momento.
_ O que?
Não obtive resposta.
As emoções em turbilhão ficaram na beira de tudo: dos meus dedos trêmulos, dos meus pés pregados ao chão,fazendo com que não percebesse a água, sem a pressão do dedo
jorrando sobre o tennis; dos meus olhos se expandindo nas órbitas secas; do coração crescendo,ocupando um limite maior do que o possível,como se estivesse suspenso,em carreira para sair pela boca.
A razão se agarrou no engano: ouviu mal,aliás andava desconfiada que minha audição,estava falhando,pois sempre eu repetia,"O que foi que você disse?" Foi essa pergunta que repeti quando ele,cabisbaixo,passos lentos,me olhou sem emoção,ou para ser justa com ele, equilibrado,respondeu:
_Uma camionete preta,em alta velocidade,matou Paco. Ele foi atravessar a estrada e...foi atropelado. Caiu morto!
Assim, um relato nu e cru.
A mangueira,de repente criou vida em minhas mãos,pesou muito e eu a soltei. Perdi a consciência dela e tudo o mais se tornou pesado,um peso difícil de suportar,fazendo com que eu caísse ao chão e, permanecesse lá.
Chorei. Chorei sentida. Chorei só. Chorei por Paco.Chorei por mim. Meu choro estava carregado de dor,agonia,perda,solidão,uma tristeza infinita.
Não houve consolo,não houve a palavra e nem o abraço cheio de conforto dele;não houve se quer um olhar de reconhecimento,de afeto diante da dor.
Chorava e dizia:
_Meu Deus! Ele estava agora,há pouco do meu lado,me pedindo água.Depois foi se deitar no buraco úmido que havia feito um pouco antes,no canteiro de flores!
Como isso foi acontecer?
Há pouco mais de vinte dias,conheci Paco,foi amor à primeira vista. Em seu olhar cor de café ralo com mostarda,estava gritando a fidelidade,a docilidade,o amor que habitava em seu grande corpo e alma. Ele tinha enderêço conhecido mas seu destino era incerto, caçador, viajante. Muitas vezes ele permanecia alí,no sítio,querendo nossa companhia. Quando o raio tímido do sol,rompia uma nuvem mais densa e solitária nas manhãs,ele entrava feito um foguete no sítio,
dava voltas à casa e nos chamava apressado:
_Ei! Eu estou aqui! Quero ver vocês! vamos,abram a porta! Tô com saudade!
Não era desses que entravam em sua casa sem cuidado,sem pedir licença. Não!
Ficava à entrada em atitude solene,esperando um afago, uma recompensa,um olhar. Olho no olho, direto. Dizia dessa forma que ele era bem vindo,sempre. Aqui era seu lugar, onde e liberava suas defesas,pois sabia que aqui,ninguém lhe faria mal.
Paco,sem o saber era elo de ligação. Ele completava o monólogo silencioso, longo,sob uma aparência calma, de uma intimidade relativa,educada,que permeava o meu mundo naqueles dias turbulentos. Uma vida de aparências,dividindo sala no sítio.
Conversas amenas,formais, superficiais,educadas, pensadas,num jogo sem vencedores que durou vinte e cinco dias de segunda chance... Será?
Algo mudou. Paco não apareceu. Cinco dias já. Senti sua ausência,mesmo ele alimentando a conversa de nós dois. Domingo à tarde,calor infernal. Paco. Cansado. Tristonho. Só queria dormir e lugar nenhum era bom o suficiente. Reclamei:
_O que está acontecendo?
_Você está muito estranho!
_Não estou gostando!
_(.......................................)
_Deve ser que ele ficou todos esses dias,com as crianças que chegaram para o fim de semana no condomínio.Tá cansado de tanto brincar no rio. Disse ele.
_......................................
O rio de águas claras e geladas,era o lugar preferido de Paco,até sozinho,ele brincava lá.
Segunda-feira amanheceu com ele à porta da cozinha, dormiu aqui, mas não nos avisou de sua presença. Terça -feira. Tristonho. Eu também. Minha partida estava se aproximando. Nada resolvido. O assunto sem ser tocado. Mantinha uma aparência calma mas tudo em mim desiquilibrado. Paco sumiu depois do almoço. Não veio dormir em casa. Quarta-feira já estava aqui muito cedo,porém não chamou ninguém.
Trinta e três baldes de água, tentando dar vida à mudas plantadas e ressecadas,
que me davam o que fazer, que me faziam sentir necessária, que me esgotavam,que me afastavam, que me salvavam, que me tornavam vazia de pensamentos ruins, que me davam uma segurança na superfície. Paco enjoou da mesmice dessa jornada,parou de me acompanhar e se deitou à sombra do pé de jatobá.
Saciada a fome com frango cozido com legumes,arroz, feijão e salada de rúcula, sossegamos todos. Paco ficou sob o ventilador da sala. Continuava muito calor.
Pontualmente às três horas,inicio outra jornada de fuga, ou seria de encontro com minha essência, molhando plantas, agora as que ficavam na parte mais baixa do terreno, com a mangueira comprida. Paco me acompanhou,mas logo se jogou embaixo de uma árvore e, aí ficou; dormiu pouco, inquieto procurou outro lugar e mais outro. Nada parecia lhe agradar. Muito quente,o suor escorria pela minha face.
A última vez que o vi,foi quando ele ficou me rondando, me olhando:
_Você quer àgua?
_Está com sede? Tá?
Larguei a mangueira e dei-lhe água, aproveitei e dei-lhe também um pedaço de pizza de calabreza e muzzarella.Gelada. Ele comeu com vontade, e eu voltei ao que estava fazendo. Confesso, esqueci dele, de mim,zerei a alma,fui embora, prá nenhum lugar. Só, nem comigo.
Voltei de repente,no sobressalto,não querendo entender o que tinha ouvido. A voz. Perto . Longe....
_ Mataram Paco!
Quero crer que todos da vizinhança, sentiram a morte de Paco, ele era querido. Particularmente,tive o privilégio de ganhar o seu amor,metade é claro,pois Paco o dividia com ele também,mas eu tinha um sentimento egoísta de disputar o amor, a amizade,prá compensar o abandono,o vazio, a solidão, a insegurança, que moravam em mim, e que ainda estão comigo.
O tempo vai apagar suavemente essa quarta-feira fatídica,em que os ponteiros marcavam dezessete horas, vai apagar aquele instante em que algo chamou a atenção de Paco, fazendo que ele acordasse de seu sono profundo e, corresse de encontro à morte, que lhe espreitava sob as rodas de uma camionete preta,em alta velocidade.
Não tive coragem de lhe ver caído na estrada. Não queria essa última imagem em minha lembrança.
Soube depois que testemunhas da tragédia tentaram lhe socorrer, que ele só conseguiu dar dois passos,antes de cair morto. Não houve sangue,apenas um olhar triste, parado, fitando o vazio.
Não choro mais a sua morte, apenas guardo num cantinho especial de meu coração, a imagem de um grande cão labrador amarelo, doce, gentil, meu elo, que chamávamos carinhosamente de Paco.
Saudade.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

RESUMO poema

Minha santa ignorância
me diz que sou livre,
prá fazer o que quiser,
até mesmo me separar
dessa relação de amor.
Porém,não me sinto completa
e, ficar sem você,muito me afeta.
Já tive filho.
Fiz o caminho por onde trilho.
Fiz curso superior.
Orei com muito fervor.
Possuí conta em banco
que serviu prá me estressar.
Fiz promessa e já paguei.
Já plantei árvores,
pomares,mudas,sementes.
Já fui dona de floresta
e a aspirei tão ferozmente.
Nadei em rio particular
de água bem transparente.
Já dormi só e acompanhada
em cama bem espaçosa
e, me senti tão preguiçosa!
Viajei mas, não fui muito longe;
até tentei falar outra língua,
me comportei como um monge.
O outro lado do mundo,
não pude conhecer a fundo:
só vi o que me mostrou a tv.
Tudo fiz
tentando preencher um vazio.
Fiz amigo e inimigo.
Cantei canção de saudade,
a mesma que guardo comigo.
Conversei com o pensamento.
Li livros de auto ajuda.
Escrevi cartas sem nexo,
ditadas pelo sofrimento.
Fiz quase tudo e, mais um pouco,
prá chamar sua atenção,
abrandar seu coração
e, o seu jeito complicado de ser.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

ROTULADA poema

Andei um tempo por aí,
Keds branco,calça Lee,
nem tanto presa,nem tanto Free,
só um pouco à perigo.

Cabelos soltos,alma levada,
coração soterrado,Underground,
formei fileiras,contra-a favor-pelada.
Levei porradas sem tempo,sem Round.

Percorri muitos puteiros,
vestidos-ternos-gravatas.
Conduzi meu Colgate certeiro,
obtive atenção em falsas bravatas.

Hoje,não sou tão Young,
terceira idade,antes do juízo final,
Hollyood, Conhac e Tang,
diluídos em coquetel fatal.

A calça 50,é de Jeans barato,
pois a grana é pouca e "Do lar".
Ganhei peso,fiquei sem memória,
mas me lembro dessa história.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

MINHA ALMA poema

Minha alma
encarna a noite.
Sai por aí sem ser notada,
percorre ruas e becos,
esbarra em prédios feito açoite.

Minha alma
entra em bares,
ouve conversas de afeição,
mantida por alguns pares,
esperando a refeição.


Minha alma
invade quartos,
ouve os gemidos,sente o tesão,
desliza suave em corpos fartos,
no silêncio saciado de emoção.

Minha alma
nua,vadia,
faz plantão em abandonadas esquinas,
boêmia,solitária,foge do dia.
Não tem nome.
Não tem enderêço.
É ponte em ruína.

Minha alma
ladina-verme-vampiro,
rouba o segredo,suga a emoção,
lendária,se esconde em antigo retiro
e vai ser lembrada numa canção.

terça-feira, 6 de abril de 2010

DESCOLADO poema

Você vive encrencado.
És o destaque de sua rua,
estás de bem com sua turma.
Tens namoradas,às penca.
Não és sutil,
falas bem alto.
Perfumes caros.
Roupas de grife.
Tennis da hora.
Sempre envenenas seu carro.
Andas sempre na moda,
tudo muito fútil.
Marca ponto em bar no centro,
com vodka e coca-cola,
comida rápida.
Danças às sextas,noite afora.
És descolado,
o filhinho da mamãe.
Percebo há uma semana,
você meio deslocado,
encimesmado em sua cama
e me diz pausadamente:
"Não sou santo ou infernal,
não quero essa vida animal.
Quero ficar zen,
falar baixo,filosofar,
me preocupar com o planeta,
ler livro de auto ajuda.
Quem sabe algo muda?
Quem sabe até ficar careca,
prá conquistar essa moleca.
Ela é certa,certinha prá mim,
é dela que estou a fim,
é nela que deposito a esperança,
de ter um amor só para mim.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

DURO RECOMEÇO poema

Padecer interno é inferno,é lamento,
vinca em rugas o meu magro rosto,
detalha em traços todo o sofrimento,
numa linguagem que poucos compreendem.

É tão gelada a mão que aperta o peito,
olhar parado,cabelo em desalinho,
nem sento o tempo em infinito recomeço,
nem sento o tédio de dar nome ao vinho.

Silêncio oprime as paredes do meu quarto,
a mão se estende mas não toca em nada,
na frágil reação de amargo parto,
o coração bate mais determinado.

É fina a luz que invade a janela
mas ilumina além da superfície,
buraco fundo,a lucidez revela,
fragmentou meus dias tão difíceis.

Há dois amores me abrindo a porta,
escudo forte prá encarar o rompimento,
anjos da guarda que dizem :"Não estás morta,
siga seu caminho mesmo a paço lento."

domingo, 4 de abril de 2010

REGIME PARCIAL conto

O meu lado racional,inteligente,ponderado,aflora às vezes e percebe o tempo passado,perdido,mas nenhuma força consegue mudar a situação;são segundos,minutos,horas,dias,meses...
Três longos anos que escorreram pela poltrona rosa-desbotada,manchada de cera vermelha ,a mesma cera que tentei dar brilho de espelho ao chão encardido. Poltrona deformada pelo meu corpo inerte jogado em seu descanso.
A poltrona não me abraçou e não me escondeu,a poltrona simplesmente aguentou meu corpo e combinou com ele, o abandono.
Meu olhar perdido-vítrio-fugidiço,refletiu a claridade exterior que invadiu expremida pela porta .
Meu pensamento não se fixava em nada pois queria evitar a dor,às vezes ele escapava para coisas bobas,como a porta ser de saída ou ser de entrada ,a porta ser retangular,a porta ser pequena.
A luz do sol que conseguia atravessar o vão estreito da porta,cegava,ofuscava,deixava mais negro cá dentro,trazia mais incômodo aos meus olhos já cheios de luzinhas que piscavam na borda.
Percebia os dois mundos que habitava,o inerte-escuro-sofrido e, o povoado de movimento-vida,ao meu redor mas eu não estabeleçia contato,não comparava,não analisava.
Via, de onde estava,pequenas folhas-novas-insignificantes,de um verde escuro brilhante,agitadas pelo vento, num movimento previsível,prá lá-prá cá.Ouvia os passos apressados de anônima gente,pisando o chão de calcário,que de repente passavam na moldura da porta,como num filme de animação,muito rápido.Meu pensamento era fujão,acompanhava alguma dessas pessoas e tentava brincar de advinhar: O que carregavam em suas sacolas,bolsas que deixavam o corpo tão arcado?
Tentava imaginar qual sofrimento,qual segredo,qual desesperança,qual alegria,estavam agarradas aos seus corpos,às suas mentes que as faziam se moverem,manterem-se em pé,lutando,sobrevivendo,até ao final do dia?
Qual seria a receita?
Isso realmente me importava?
Um fiapo de esperança,às vezes se insinuava, ensaiava a reação;me dizia que eu não fazia parte desses momentos escuros,dessas horas paradas,desses dias perdidos,prisioneiros.
Depois... Isso importava, a quem?
Meus olhos castanhos que enquadravam a porta,fixos no ponto de luz,repetiam uma cena interna,em tela particular: O abrir e fechar de portas,gavetas do armário de madeira de lei,emperradas pelo tempo e umidade, o retirar apressado de calças antigas de linho azul,esquecidas em cabides; uniformes do tempo em que trabalhou no banco;gravatas que ainda conservavam o último nó;cuecas com elásticos frouxos;lenços,meias que não usava mais. Tudo foi recolhido sem organização,e jogados para dentro da bolsa grande de viagem.
Não esqueceu nem o cadarço encardido ,sem par que encontrou.como a não querer deixar pistas,rastros,de sua presença na casa.
Ele não dizia nada,não olhava para mim, que estava no canto do quarto,chorando diante da certeza da partida dele. Acompanhei seus movimentos em nosso quarto, só chorava.
-Por favor me abraçe! Queria gritar,mas a voz não saia. Eu não sabia o que dizer,aliás nunca soube colocar em palavras o que eu sentia por ele. Tinha uma certeza de que não precisava por voz no meu amor por ele,estava no meu olhar,nas coisas simples do dia a dia;,nos abraços inesperados que eu gostava de lhe dar;nos risos soltos das piadas ou coisas engraçadas que ele dizia; até nas pequenas mentiras que dizia a seu pedido ao telefone.
-Ele não está!
Engano fatal.
Não saberia viver sem ele,não depois de vinte cinco anos de amor,afeto,companheirismo,era o que pensava,o que tinha certeza.
O medo apertava meu peito,medo de que a agressão que se escondia nos olhos dele,me atingisse em forma de palavras que não queria ouvir,pois sabia que nunca mais as esqueceria.Eu era assim.
Ele sabia como ninguém ser sutil e agressor com as palavras,suavemente...
Podia,com palavras, fazer-me sentir um quase nada e me exigir mudanças,pois me comparava com alguém que ele admirava. Tudo dito durante conversas amenas mas que me faziam chorar durante o banho.Ele nunca notou.
Ficava magoada,me perguntava com quem ele queria casar,pois essa que se desenhava em seu desejo,não era eu. A mágoa me conduziu para mais dentro de mim mesma, me isolou,me deu uma falsa impressão de proteção,mas também não me deu armas para lutar por ele,apesar de tudo.
Inútil,tudo seria inútil,ele não me daria nenhuma chance.
-Se era para terminar,por que começou? Perguntava-me.
Em meu peito sufocado pela dor,carregava o mesmo amor de vinte e cinco anos juntos,agora ,um amor mais tranquilo,seguro,cheio de paz e de ternura.
Amor simples,desses que não faziam perguntas e nem esperavam respostas,pois confiava cegamente.
Amor sonhador,como no poema que escrevi sobre uma casa na montanha,com nós dois construindo uma vida juntos,vendo a cidade ao longe.
Amor incondicional,que aceitava,defendia defeitos que via nele.
Amor de todo dia, de cada dia,temperado no café doce e forte que eu lhe levava na cama e que ele apenas bebericava,pois gostava de café fraco e doce,"café carioca",como ele dizia.
Amor de muitas formas,de um único cheiro,disfarçado com o perfume caro que usava.
Amor que acumulou lembranças cheias de valor:o dedão do pé com unhas chatas e largas,com calos secos,resultado de pés presos em sapatos fechados,o dia todo; os cabelos encaracolados,grossos que lhe cobriam os ombros,as costas,o rosto de barba cerrada,o bigode; a cabeça de cabelos ralos no meio e cheios dos lados,que lhe dava um ar de frade franciscano,cheio de pecado; o olhar castanho claro,quase mel que às vezes me olhavam com segundas intenções.
Amor maduro,eterno aprendiz,que se aquietava em seus braços e se deixava ficar depois do gozo.
Amor cúmplice que lhe cobria as ausências com os filhos.
Amor de equipe que lhe apoiava nos projetos cheios de sonhos.
Amor de bando,repartido entre os quatro,em doses iguais.
Amor companheiro que lhe seguia por esse mundo de meu Deus.
Amor registrado em fotos,cartões,bilhetes, cartas,guardados por mim.
Amor parcial,só meu por ele,e só agora conhecido por mim,o inicio separado no cartório,encerrando o papel importante da união dos dois:
"Regime parcial de bens".

sábado, 3 de abril de 2010

MORENA



Pela janela meu olhar escapa,
pontas de cores velhas, desbotadas,
nuances verdes escuros-olivas,tecem o mapa,
dessa cidade jovem e desvairada.

Estruturas verticais desenham o horizonte,
escondem a história de anônima semente.
Não se percebe a invisível ponte
que une bichos-ruas-flores e gente.

Há um descuido na beleza da menina
que se perde entre calçadas descascadas,
do velho centro quebrado por esquinas,
e por pequenas praças arborizadas.

A noite amena, de luzes faz estampa,
Gozo espalhado pelos quatro cantos,
olhares metálicos que minha alma espanta,
e escuras formas cobrem qual um manto.

Minha janela emoldura a cena,
domingo à tarde,raio-trovão e ventania,
riscam néon no céu dessa Morena,
fazem correr toda essa calmaria.

O meu olhar é passageiro e superficial,
voa nas asas de pombos,aeroplanos e borboletas,
sem se dar conta de que és a Capital
do meu estado,meu país,verde planeta.


         Poema sobre Campo Grande,capital do meu estado,Mato Grosso do Sul

MORENA poema

sexta-feira, 2 de abril de 2010

AINDA HOJE poema

Ainda hoje.
Vou romper as minhas frágeis veias,
me embebedar no sangue-vinho tinto,
me prender em suas negras teias
e me perder em seus escuros labirintos.

Ainda hoje.
Vou viver sem muito estilo.
trincar com força o meu falso dente.
Ficar surda ao "canto do meu grilo",
que avisa cautela em minha louca mente.

Ainda hoje.
Vou me jogar do alto do edifício,
matar sem pena a minha indevassável essência.
Isolar do mundo esse destrutível vício
que grita em descontrole a sua intolerável ausência.

Ainda hoje.
Vou voltar a ser um grãozinho de poeira
que o vento espiralado empurra para o alto,
pedaços disformes de uma vida inteira
que se espalham sem critério após o salto.

Ainda hoje.
Vou sair desse poço sombrio e fundo,
nem tão feia,nem tão velha,nem tão serena,
sem medo das eternas cobranças do mundo,
sem nada de Maria,Amélia ou Madalena.

Ainda hoje.
Vou passar nas feridas o mercúrio.
Vou andar na cidade surda e nua,
da boca não sairá nenhum perjúrio,
de companhia, só a fria e cheia lua.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A QUE PONTO poema

Tudo tem o seu jeito.
Tudo tem a sua mão.
Em seu espaço ocupado,
cabe minha vida inteirinha,
com muita lapidação.
Você se enche de razão
cria um canto perfeito,
de respeito e emoção.
Muda o tempo de repente,
me pegando no turbilhão.
Você se fecha em si mesmo
e eu à deriva sem direção,
agarrada a um fio invisível
de imensa solidão.
Quero dar os meus olhos
prá você me enxergar,
fazer deles bússola precisa,
prá você me localizar,
não precisa voltar para mim,
deixa eu ir até você;
vês, a que ponto cheguei?
Não consigo viver esse dia,
futuro não existe prá mim,
pois como náufraga desesperada,
estou muito agarrada
ao minuto que passou,
pois lá ainda me resta
um pouquinho de você.
Havia alegria em minha vida,
mas você não a sentia.
O tempo é cruel,
passa rápido pelo meu corpo
e é lento a te esperar.
Um dia vou estar morta,
um jeito sem solução,
é por isso que lhe peço,
antes que seja tarde,
abrande seu coração.
Sinta toda a emoção,
o abandono,a angústia,
a decepção,
contidos em meu coração.

terça-feira, 30 de março de 2010

PEDAÇOS poema

Não me sinto inteira sem você,
estou feita de pedaços,
como quebra-cabeça sem solução,
como esses cacos disformes
que colam velhas calçadas,
por onde passo.

Minhas mãos vazias
querem te tocar.
Meus braços
são ninhos abandonados,
esperando prá te abraçar.
Os meus pés
seguem o seu rastro no caminho,
mesma direção.

O meu cansado coração,
anda hipertenso,
angustiado se isolou
num espaço imenso,
com um tum-tum acelerado,
na mesma batida do seu:
"Você já o teve e perdeu!"

Tudo que consigo ver,
são as imagens das lembranças
estampadas em porta-retratos,
em cada canto da casa.
Tudo que consigo ouvir,
é a risada da piada
cheia de malícia,
o deboche do canastrão feliz,
em louco teatro.

A música que agora ouço,
tem origem no nordeste,
Zé e Alba Ramalho.
Tudo que consigo sentir,
é o seu odor marcante,
mistura de suor e perfume caro,
na camisa esquecida,
na cueca abandonada,
no chinelo sem par
ficados para trás em sua pressa de ir.

segunda-feira, 29 de março de 2010

EFEITO BUMERANG poema

Você tem a idéia torta
e usa sua língua afiada,
mas às vezes se faz de morta
num treino que é uma piada.
Você quer ir longe,muito longe,
muito além de sua porta
e usa sua língua afiada.
Lâmina língua que corta.
Corta o ar.
Corta o mar.
Corta o coração.
Corta até a palma da mão.
Deixa sangrar.
Deixa doer.
Não há culpa em seu coração.
Ah! Mas um dia você vai ver,
um dia você vai ter,
vai receber um belo troco,
voando em sua direção,
meu efeito bumerang:
Tudo que vai,volta.
Tudo que sobe, desce.
Tudo que abre, fecha,
mas nem tudo que cala, consente,
que ri agora,um dia chora.
Tudo o que fazes comigo,
farão um dia contigo,
é só uma questão de esperar
e, quem espera sempre alcança,
diz o dito popular.

domingo, 28 de março de 2010

DA COR DE CHOCOLATE poema

É da cor de chocolate
a boca que me sorri,
é tão doce o seu ser,
vício gostoso,sem culpa,
sem cobrança,sem pecado,
somente nesse estado,
é assim meu filho amado.

É da cor de chocolate
a raiva que dele se esvai,
se aborrece,fica louco
quando dele fazem pouco,
mas de repente um sorriso,
um pedido de perdão
lhe aquieta a emoção.

É da cor de chocolate
o tempo de quem procura
nesses dias que não passam,
e em meio ao certo e ao errado,
é difícil ser natural,
a ninguém fazer mal,
buscar um capital,
estar na Capital,
encontrar "o que fazê",
se acampar em Campo G.

É da cor de chocolate
tudo que nele se vê,
choro,raiva,gargalhada.
Com a bandeira da alegria,
pede,dá,recebe amor,
o amor que com amor se paga.

sábado, 27 de março de 2010

TUDO DE NOVO poema

Estou grudada na tv,
ouvindo o seu belo discurso:
"Que a vida começa agora,
vou lhes levar mundo afora!"
Mas...hoje é domingo,
e eu não tenho 57.
O ano não é o das trevas
e sim de 2007.
Eu já comprei aquela roupa,
usada-de marca , na feira.
Ando nas ruas da cidade,
escondendo a minha idade,
cheia de pose e de posses.
Quem dessas pessoas
entra na fila comigo?
Tenho carro 86,
vou prá balada com 6,
na volta tenho mais braços
prá empurrar.
Empurro a vida.
Empurro o carro.
Empurro o tempo.
Amanhã é outro dia,
dia que a gente esquece,
mais uma segunda-feira
que volta inexorável,
fazendo acontecer
tudo de novo.

O SOL NA CARA poema

Acordas mal humorado
se sentes atrapalhado.
Inseguro?
Diferente?
És seguro?
Estás talhado prá ser gente,
ir em frente,ir em busca,
deixar o quarto
quatro paredes,seu cobertor,
as viagens na internet.
Ir lá fora,além da porta,
colocar o sol na cara,
sobre as rodas de seu skate.
Queres mais espaço
alçar o vôo,
a hora e essa,pedes passagem.
Falando fino,
falando grosso,
antes menino
agora adulto.
À sete chaves guardas um culto,
nenhum altar,nenhuma prece,
só amor que aos seus oferece.
Guardas também
bem guardadinho
entre os acordes
de seu velho violão
o coração,
de quem se achou em B.H.

( Para Fê,amor maior-2005)

sexta-feira, 26 de março de 2010

A QUESTÃO

Fui notando apreensiva o afastamento sutil,os sorrisos nervosos,rápidos em sua boca fina como um rasgo. Percebi o afastamento de suas mãos,rompendo o contato procurado,necessário.
Percebi o seu olhar baixo,figidio e estranhamente alerta.
Senti falta de coisas simples que preenchiam meus dias.Senti falta das mordidas inesperadas em minha nuca que me arrepiava o corpo todo.Senti falta dos abraços espontâneos que me aprisionavam.Deixava-me prender e não arquitetava a fuga.
Senti falta falta de quando ele encostava o nariz em meu colo para aspirar o cheiro natural de meu corpo,antes de ir trabalhar,como a querer guardar,abastecer-se na ausência,uma reserva para a saudade.
Senti falta das esfregadelas da toalha úmida,em meu rosto,após o banho morno, "limpeza de pele" dizia.
Senti falta do mergulho rápido de sua língua em minha orelha.
Ele foi se calando. Era dezembro,aniversário de vinte cinco anos de casados,mês do Natal.
Foi desaparecendo pelos cantos claros da casa,pelos cantos escuros.Escondeu-se em páginas de livros grossos e supostamente interessantes,que lia compenetrado,alheio aos ruídos que eu fazia.
Escapou de olhos fechados-serenos,deitado no sofá,ouvindo suas músicas clássicas de um instrumento só,de sopro.
Quem sabe onde?
Quem sabe o que?
Fugia nas pinturas de parede, fazendo rebocos,inventando ocupação. Esgueirava-se no trato diário das suas orquídeas roxas-vermelhas-verdes que transplantava com meticuloso cuidado e paixão,que não dava mais prá nossa relação.
Fugia dos encontros inevitáveis ,divididos entre ambos no espaço apertado da casa.
Não aceitava mais o café doce e forte que eu lhe levava na cama,ao amanhecer.
Fazia regimes malucos prá não se sentar à mesa no almoço,no jantar,prá não falar quem sabe a palavra salvadora.
Tão previsível. Tão claro e ao mesmo tempo tão sombrio. Tão desconhecido de mim.
De repente, da vida que vivemos juntos, dos sonhos que sonhamos juntos,das promessas mudas,feitas um ao outro, não restou nada. Tudo se fraguimentou sem ruídos,como num castelo de cartas.
Tudo ficou tão pesado e tão frágil,como se eu pisasse em vidros finos,descalça. A ponte invisível que nos unia,ruiu, implodida por palavras traiçoeiras, mal definidas,que jorravam da boca dele; por falta de palavras que não conseguiam sair de minha boca cerrada pelo medo da perda.
Os silêncios cada vez mais longos,dolorosos,viraram passaporte livre para a fuga,para o abandono dele do leme da vida a dois .Fugiu daquele mundinho acanhado que agora o oprimia.
Em uma madrugada de fevereiro,finalmente escapou; lá fora a algazarra alegre e bêbada de foliões inconsequentes,que regressavam às suas casas, cá dentro o desespero mudo inundava os olhos e o coração de lágrimas.
Ironia da questão, eu o conheci numa noite de fevereiro de hum mil novecentos e oitenta e um. Amor meu,à primeira vista,prá sempre.
Era carnaval.

quinta-feira, 25 de março de 2010

MARGINAL-------poema

A violência sustenta a vida
de quem vive sem amor,
é dando porradas querida
que demonstro meu valor.

Cresci em meio ao entulho,
esgoto,fome e bordel,
dormindo qual um embrulho,
no chão forrado com papel.

Sou filho da desconfiança
que não vê o que se diz:
quem espera sempre alcança,
mesmo num mundo infeliz.

Não escolhi meu destino,
que é incerto e marginal,
sou um conhecido ladino,
à espera de um grande final.

FRONTEIRA______Poema

Viver aqui e agora
é bom e cheio de calor,
quando a noite ao dia devora
o som e o perfume têm certa cor.

As tardes são silenciosas,
cheias de preguiça,
cheiram a perfume de rosas,
ao meu instinto enfeitiça.

A algazarra de cantos tardios
ecoam por entre a mata
fazendo que cães vadios
demonstrem muita bravata.

Há o reclame da criança:
"Ainda há tempo de brincar!"
Da mãe que tem esperança,
ao filho uma educação dar.

Mas...tudo acontece devagar
em meio à comida e dormida,
e tudo fica sem par
perdidos em meio à lida.

Com um olhar mais atento
roupa suja vira bandeira
desfraldada pelo lamento,
de quem já está na fronteira.

Onde começa a pobreza ?
Onde termina a sujeira?
Na caixa que vira mesa
ou na diária canseira?

Nesse ambiente abafado
há duas redes surradas
que já roubaram o feitio
dos corpos de formas mirradas.

A fé está sempre atrasada,
na parede presa a um prego,
contando em rezas marcadas,
pedidos de quem está cego.

Mas é por aquele buraco
que tem nome de janela,
que o sonho é um marco,
da vida depois da cancela.

Do lado de lá há promessa
de um mundo verde e fartura,
cá dentro o desalento confessa,
é mundo que não se atura.

O sonho às vezes engana
com brilho,no caminho de asfalto,
escolhe de forma insana,
deixa tudo num salto.

terça-feira, 23 de março de 2010

ENCARCERADOS CONTO

Sentia fé.
Sentia a segurança com que ele a cercava, com força, a mesma que mantinha o velho carvalho em pé, há muitos anos, à frente da casa. Majestoso,demarcando o lugar.
Ele a protegia de algo sem face,sem identidade, invisível, que fazia brotar em seu interior um receio de estar lá fora. Assustador.
Protegia, mas tornava o medo muito maior.
Ele lhe ocupava todos os espaços, ficava entre ela e a luz, produzindo sombras em seu mundo.
Sombras que se interpunham entre a paixão que lhe cegava, e a vontade de ter asas para ver além do velho carvalho,de experimentar,de conhecer,de poder fazer escolhas sem culpa.
À princípio não notou a prisão,não estavam à vista as grades que a impediam de ir e vir, mas os grilhões apareciam em forma de buquês de flores perfeitas sobre a cama,sem data especial; ou , em pacotes atrativos,fechados com laços de cetim,escondendo uma supresa doce.
Muitas vezes surpreendeu os grilhões em seu olhar interrogativo,que tentava descobrir a razão de sua risada mais solta,mais feliz em meio aos amigos que ainda tinha.
Sem perceber, ele fez surgir a suspeita nela,fez com que essa suspeita crescesse ao ponto de descobrir finalmente, que era prisioneira. Ele sem querer,lhe mostrou o caminho da fuga,que eram à princípio de curtas distâncias,ao alcance dele.
Fuga difícil, pois se deixou aprisionar nas verdades dele,nas vontades dele. Dormia e acordava nas certezas dele. Viveu a vida dele; tornou-se uma parte dele, sem ser e, não se deu conta.
Ele era sua lua, a iluminava.
Ele era seu sol,a aquecia.
Ele também era um ladrão sorrateiro que lhe roubou a essência.
Começou a fugir do olhar dele, da voz dele, dos abraços dele. Foi escapando pela porta dos fundos, depois pela porta da frente,aos poucos,porém, se surpreendia ao vê-lo à sua espera...
-Não vais voltar?
-Não sentes falta de sua casa?
-Não gostas mais de lá?
Era sutil,nunca se colocava nos quetionamentos,não existia a primeira pessoa, só que agora ela percebia que a primeira pessoa estava lá, oculta. Por que isso ? Perguntava-se. Talves temesse a resposta reveladora e pressentida.
-Não, não volto !
-Não, não sinto falta!
-Não, não gosto mais de lá!
Ele lhe deu a passagem, lhe mostrou o caminho.
Magnânimo?
Inocente?
Dissimulado?
Normal. Tudo seguia numa aparência normal,na superfície,mas as pedrinhas,marcando o caminho da fuga,já estavam lá.
Não havia mais jeito,não havia nenhuma proteção,nenhum conforto que a fizesse ficar.
Esperou o último dia de férias dele,para escapar e não poder ser seguida, encontrada e novamente aprisionada.
Abraçou-o, manifestou-lhe a saudade que sentiria ,durante a breve viagem. Subiu no trem , carregando uma única mala,onde juntou poucos pertences; só deixou o amor que ainda sentia por ele.
Sorriu no sorriso dele.
Acompanhou com a mão,o adeus dele.
Esperou o trem se distanciar para gritar:
-Não volto mais !
......................................................................................................................................................................
Viu a dor da surpresa que congelou o sorriso dele, viu os passos cambaleantes,ensaiando a corrida na plataforma da estação,tentando alcançá-la.
Inutilmente,continuava encarcerado no amor por ela..

sábado, 20 de março de 2010

ROMANCE URBANO

No alto do arranha-céu
há um odor de Havana,
corpos suados,denso véu,
relaxam em uma tarde insana.

O céu desses amantes
é forrado de papel,
impresso de habitantes
que dominam qual cartel.

O que povoa esse amor
que vive nos intervalos?
É cifra,é pressa,é dor
de quem perdeu nos cavalos?

Onde reside a paixão
em meio ao vidro e concreto?
Se abriga no coração
ou está a vagar sem teto?

Ah! Que pena desses amantes!
Vivendo como em Interlagos,
se amando só por instantes,
à beira de grande estragos.

sexta-feira, 19 de março de 2010

AFRODITE 1974

Menina da esquina
de cheiro tão forte,
eu sei sua sina,
eu vejo sua morte.

Sua veste é tão justa
vendendo a paixão,
quanto ela custa?
Feijão,razão ou prisão?

Menina com medo,
sem contos de fada,
você tem segredo
na cara pintada.

Esse é seu destino
à margem da rua,
lugar clandestino,
sem sol e sem lua.

Há ainda quem diz
quão fácil é sua lida
pois és meretriz
com a vida vendida.

Seu nome é Afrodite
como a deusa do amor
mas,nasceu Valéria,acredite
registrado em papel de valor.

Ah! Quem me dera menina
um dia poder te mostrar
que além dessa esquina
existe melhor lugar.
Em 1974, ajudei um grupo de alunas dando idéias na realização de um trabalho escolar,uma coreografia . As alunas, entre quinze e dezessete anos ,de certa forma eram mais ou menos comuns,porém havia uma que se destacava do grupo. Ela era de estatura baixa,magra ,corpo harmonioso,cabelos tingidos de pretos,compridos ,com um corte e um penteado que lembrava Brigite Bardot,boca com batom sempre vermelho,unhas ponteagudas e vermelhas,os olhos oblíquos contornados de rímel preto.
As demais a olhavam de lado com certo preconceito que não era percebido por ela ,ou talvez, não estava nem aí para o que pensassem dela, pois transitava no meio das outras com a maior desenvoltura,muito bem vestida sempre. Era boliviana e os pais trabalhavam com chocolates .
Seu nome era Afrodite e, muito tempo depois escrevi este poema através dos olhos de suas colegas de classe.

quinta-feira, 18 de março de 2010

PAIXÃO

Só por hoje vou deixar de lado
os meus cuidados,a minha crença
e mergulhar fundo na emoção
ficar atordoado
me afogar,beber do mel desta querença.

Só por hoje vou ficar quieto
sorver extasiado o verbo de tua boca
perder no esquecimento as regras deste afeto
e ser aluno atento à emoção louca.

Só por hoje vou viver o instante
agarrar o agora,vulnerável,apaixonado
deixar escancarado este meu peito amante
e ser prá ti o eterno namorado.

quarta-feira, 17 de março de 2010

À ESPERA DE TI

Preciso saber com certeza
se esse olhar que me procura
é carinho antecipado
ou é um descompromissado afago?

Preciso saber com certeza
se esses passos que me acompanham
é procura,é encontro
ou é só um anônimo rastro?

Preciso saber com certeza
se essa voz que diz meu nome
me chama,me encanta
ou é só um eco perdido?

Preciso saber com certeza,
pois meu olhar de ti é prisioneiro,
meus passos a ti procuram
e em meu peito soa baixinho:
"Estou à espera de ti."
Os poemas,contos, aqui postados,foram escritos aos catorze,quinze anos;muitos em cadernos de brochura,alguns perdidos,outros separados em folhas de cadernos diferentes,papel de pão,guardanapos enfim, obdeceram a um impulso que não escolhia hora nem local para se manifestarem. Impulso que era despertado por uma palavra que alguém dizia,por uma canção ouvida no rádio,por uma história de amor que ficava sabendo,por uma perda de alguém. Tudo era combustível para eu escrever.
Hoje,encontro inspiração,ou seria desabafo,em minha própria história de vida,não invento sofrimento,ele simplesmente está lá,esperando para ser espalhado entre os meus escritos ,só dessa forma não fica tão pesado para eu carregá-lo.
Nos meus escritos falo também do lugar onde vivo ,das pessoas que me são caras,das que passam pela minha vida e deixam sua marca,até dos meus bichos que me fazem companhia nos momentos solitários.
O ambiente que me deixa em estado de graça para escrever:tempo nublado,cinzento,com prenúncio de tempestade,anunciada por um ventinho gelado que tira meus cabelos da testa;procuro meu quarto,acendo a luz,tranco a porta,pronto! Perfeito.Nunca mudou,sempre foi assim.
Escrever,é minha terapia,é a faxina necessária prá ter de volta o coração leve por um tempo; é o alimento que me dá energia prá enfrentar cada dia e tudo que ele traz,as coisas boas e as más.

terça-feira, 16 de março de 2010

LOURA SEMINUA

Por um pequeno defeito
que nos olhos se insinua,
eu vi marcado em teu peito
uma loura seminua.

O ciúme aqui cresceu
fiquei cega e com razão
pois quem se dizia meu,
não ousaria magoar meu coração.

Percebem? Sou morena,
começo de noite,final de tarde,
discreta,suave amena,
nada tenho que se alarde.

Apesar de estar longe
com o amor ao desabrigo,
tu devias estar como monge,
solitário...a sós comigo .

Porém,vejam só que maldade,
bem de perto e na luz crua
percebi que era saudade,
a tal loura seminua.

FLOR DA PELE

À flor da pele
deixei plantar
uma semente de carícia
de tão profunda raiz.

Teve a brisa do seu beijo
Teve o cuidado do seu abraço
Teve o sol do seu olhar
Teve a gota do seu suor

À flor da pele
deixei crescer
uma semente de malícia
de tão daninha raiz.

Teve a brisa da minha dúvida
Teve o vento do meu tormento
Teve o sol da minha verdade
Teve a gota do meu pranto

À flor da pele
seca-sedenta-árida
nasceu
cresceu
forte e isolado
um majestoso cactos de solidão

segunda-feira, 15 de março de 2010

NOVO AMANHECER

Quero os meus pés descalços
em úmidas calçadas,
quero sentir a forma,o chão
nos passos que lentos se vão.

Quero molhar a língua
seca-amarga-sedenta
na gota fria que míngua,
de mãos que só a fé,torna benta.

Quero o amanhecer na rua
sem carro-gasolina-buzina-multidão,
quero a lua,a noite nua,
andar de mãos dadas com meu coração.

sábado, 13 de março de 2010

JEITO ANTIGO

Eu quero
a lua de outrora
quero a brisa
quero a aurora
quero o encontro no horizonte,
prá limitar
prá envolver
o meu mundo,
o meu jeito antigo
de viver.

Eu quero
de volta o som da viola
a voz rouca,macia
o olhar furtivo...
o roçar de mãos
o sussurro da noite,
prá limitar
prá envolver
o meu mundo,
o meu jeito antigo de gostar.

Eu quero
a paz solene das seis horas
quero a crença
quero a trança
o riso da criança,
as folhas secas
que formam tapetes
nos bosques misteriosos,
prá limitar
prá envolver
o meu mundo,
o meu jeito antigo de crer.

Eu quero
o cravo vermelho na lapela
o brilho aprisionado nos cabelos
o perfume
o terno branco de linho
o andar calmo,sozinho
que me lembram você
e o seu jeito antigo de ser.

SAUDADE ?

Da minha vida feliz
que foi tão pouca,
que eu me lembre...
Não tenho guardados antigos,
nem emoção louca,
nem bolorenta quimera
pois aqui,não encontaram abrigo.
Só tenho
ainda no ouvido,
ecoando
por toda vida,
o som doloroso
de sua partida.

CINZAS

Me ocultei
nos farrapos sofridos
de uma fantasia colorida
em três dias de folia.
Desfilei triste,
mascarada de descrença
no bloco do eu sozinha.
Da passarela,confusos vi,
rostos sem nomes,me sorrir.
Braços sem corpos
me envolveram em
desinteressados abraços.
Na multidão fui grão
que acumulado,não me mostrou,
mais me escondeu.
Distoei do samba enredo da alegria.
Só cantei cinzas esquecidas,
de quartas-feiras passadas.
Brilhei falsa nos luminosos
artificiais.
Mergulhei,me afoguei
na loucura de confetes
e serpentinas,
mas quando um sol
de quarto dia
pôs sombra nua
sem fantasia à minha frente,
eu constatei,
depois daqueles três dias
continuava,agora em cinzas,
o bloco sem alegria
do eu sozinha.

MIGALHAS

Das vozes sem nomes,mansas
que penetraram em seus ouvidos,
dos olhares lânguidos
que o envolveram,
dos corpos desconhecidos que se debruçaram nus
em seu peito amante,
do lábios trêmulos ,oferecidos
que você fechou com seu beijo sensual,
dos seios palpitantes
que suas mãos ávidas afagaram:
Eu me contento com o contato
rápido e desinteressado de suas mãos.
Eu me contento em mergulhar
no brilho de seu olhar descuidado.
Eu me contento em fazer graça
só prá ver sorrir.
Eu me contento em suspeitar
que você às vezes se lembra de mim.
Eu me contento em conhecer
o som fraco de seus passos
em meu caminho.
Eu me contento em lhe amar
e lhe saber feliz.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O QUARTO

Invado o quarto.
Faço parte do silêncio
me escondo na penumbra
venço o tempo e espero.
Debruço o corpo cansado,
ansiado
em sua cama desfeita
por seu corpo amante.
No lençol ainda morno
por seu corpo ausente
me aqueço
e adormeço.
Quando, sem hora
sem promessas
você regressa e,
me descobre no prazer
desse contato,
fica a certeza:
nesse quarto,nessa penumbra,
nessa fumaça de seu cigarro,
você e eu...eu e você...
O nosso amor é o que no basta,
nada mais.

MOMENTOS

Foi naquele momento
no quarto tão cru
sem adorno,sem perfume,
naquele quarto tão nu
que eu te amei.

Foi naquele momento
em seu leito branco
aconchego de seu corpo
que eu te amei.

Foi naquele momento
debaixo daquela
difusa claridade
que discreta me mostrou
que eu te amei.

Foi naquele momento
em que a fumaça
de seu cigarro
em cortinas passageiras
se formou
que eu te amei.

Foi naquele momento,
naquele tapete solitário
estendido ao chão,
simples,rústico,
com uma figura de leão
que eu te amei.

Foi naquele momento
em que a porta
brusca se abriu
trazendo o eco grave
de sua voz
que eu te amei.

Foi naquele momento
em que o som forte,
terno,
sensual,
de um velho violão
se fez ouvir
que eu te amei

Foi naquele momento,
no descanso distraído
de seu braço em meu dorso
que eu te amei.

QUINZE ANOS

Eu sou
a nova folha da manhã
que recebe e acomoda
em sua superfície,
a pequenina gota
de orvalho.

Eu sou
o início de chama ardente
que trêmula se inicia
rápida se firma
se alarga e
se aquieta.

Eu sou
a fruta verde e fechada
de uma árvore velha
que conserva em seu seio
um misto de sabor
amargo-adocicado.

Eu sou
o sorriso tímido,incerto
de começo duvidoso
mas,num ato de ousadia
se alarga,se impõe
e ilumina o
meu rosto.


Eu sou
o passo trôpego
bêbado na inexperiência
que se torna forte
e caminha rápido
na direção certa.

Eu sou
a morna e silenciosa noite
que chega sem ser percebida
e aos pouquinhos,devaagarinho
abraça o mundo
o involve inteiro,
a tudo cala,
nada promete
e,tudo cobre...

quarta-feira, 10 de março de 2010

EQUÍVOCO

Fugir.

Escapar.

Sair de cena.

Essa era a questão,ou não era?

Estava confusa.Lá dentro de mim, em meu mais profundo ser,havia se instalado sem aviso,um turbilhão incessante,uma mistura de sentimentos inconfessáveis, que se chocavam,batiam nas paredes de meu estômago, regorgitando o fel amargo da desesperança,em minha boca. Meu coração dava socos violentos e surdos o meu peito. Tão fortes!

Tinha impressão de que alguém ouvia as pancadas. A dor insuportável era física,nesse momento.

Onde me encontrava? Num ponto afastado, isolada?

À beira de um precipício escuro? Sem fim?

Talvez a salvação...Havia salvação? Talvez fosse aquele ponto de luz tremulando lá no fundo? Quem sabe para alcançá-lo,bastasse um salto.

Tudo clarearia?

Fazia o almoço diligente e delirante,com movimentos precisos,numa aparente calma. Cortava os legumes com a faca grande e afiada, presente dele.

O burburinho à minha volta, a conversa animada não me alcançavam. O meu corpo atuava só na superfície: um ensaio de sorriso,um olhar rápido,sem deiar pistas,sem destino certo.

Ninguém viu o olho fundo-seco-vítrio-enorme, crescido nas órbitas,viciados no desespero.Ninguém percebeu o silêncio se instalando.

Fiquei mais quieta que o normal, tive a companhia do silêncio dele.

Meu silêncio escondia,encerrava,poupava. O silêncio dele estava pronto para explodir,destruir,combater,mudar a ordem das coisas.

A fúria instalada soltava pequenos raios dos olhos cor de mel,que me atingiam como dardos cegos,corrompendo meus sentimentos,aumentando as reservas negativas. O choro subia pelo estômago,oprimia meu peito;a boca seca,os olhos agora úmidos,contidos num esforço supremo,impediam que a primeira gota de lágrima escorresse pela minha face macilenta.Como seria na cama grande,nós dois,quando a escuridão do quarto nos isolasse mais ainda em nossas incompreenssões?
Queria descobrir de onde vinha meu pânico,meu medo,meu pressentimento do que poderia acontecer...
Terminei de fazer o almoço. Tudo limpo,arrumado. Finda minha obrigação do dia.
O aroma de temperos se espalhava pelo ar,além da cozinha. Olhei a faca de inox limpa, vi meu rosto quase sereno refletido nela,coloquei alguns fios dos meus cabelos negros e compridos,que se soltaram,atrás da orelha.
Fui cortando o pulso lentamente,profundamente muito além da dor. Observei por um instante a beleza do líquido vermelho-grosso,contrastando com a bancada branca da cozinha,onde desenvolvia meus afazeres de todos os dias para bem alimentar os meus.
Acompanhei o fio que escorria até o chão,também branco,da cozinha. Sorri. O céu é branco e as estrelas são vermelhas !
A pressão no peito ia sumindo em uma doce vertigem.
Fui caindo
caindo
caindo...
Mirna não viu. Ele. Correndo em sua direção e,se deparando com a trágica cena, alcança-a com as mãos,ergue-a num abraço dolorido gritando desesperado:
_Por que?
Por que?
Por que?
Era tarde, muito tarde...


segunda-feira, 8 de março de 2010

LABIRINTO

Hoje eu fui lá no fundo
no profundo de você.
Percorri caminhos tortos,
descaminhos,labirintos,
me perdi,me encontrei
e,lhe encontrei.
Pálida luz à distância.
Pálida luz que ainda
brilha!
Você tentou esconder
em suas noites
de silêncios mentirosos
os seus mistérios.
Só por medo,
por receio,
envolveu-se em teias
de imagens falsas,
prá se ocultar.
Eu toda luz me iluminei
e, lhe iluminei.
Eu me vi
e, lhe reconheci.
Eu me senti
e, lhe senti.
Não lhe toquei
eu não podia
e nem queria.
Simplesmente
precisei,
desejei
lhe encontrar,
prá saber com certeza
que você
tão você
só você,
lá no fundo,
no profundo de você,
sem disfarce
em verdade existia.

MIRAGEM

Cheguei tão perto
de seu mundo
limitado por um teto
tão concreto.
Qual mísero sedento
no deserto das visões,
mergulhei na miragem
de seu belo e descansado
mundo.
Foi tão brusco o acordar
o enxergar.
Eu lhe vi tão vazio
tão pequeno prá meu mundo.
Como abrigar
em tão ínfimo cubículo
de crenças suas,
eu a incerta,
a meiga,
a tímida brisa,
que se acumula
se expande
se alastra
transborda.
Cheguei tão perto e constatei:
da miragem,da visão,
do vazio do seu mundo,
apenas vi, o resto solitário
de um cactos de egoísmo.