quarta-feira, 10 de março de 2010

EQUÍVOCO

Fugir.

Escapar.

Sair de cena.

Essa era a questão,ou não era?

Estava confusa.Lá dentro de mim, em meu mais profundo ser,havia se instalado sem aviso,um turbilhão incessante,uma mistura de sentimentos inconfessáveis, que se chocavam,batiam nas paredes de meu estômago, regorgitando o fel amargo da desesperança,em minha boca. Meu coração dava socos violentos e surdos o meu peito. Tão fortes!

Tinha impressão de que alguém ouvia as pancadas. A dor insuportável era física,nesse momento.

Onde me encontrava? Num ponto afastado, isolada?

À beira de um precipício escuro? Sem fim?

Talvez a salvação...Havia salvação? Talvez fosse aquele ponto de luz tremulando lá no fundo? Quem sabe para alcançá-lo,bastasse um salto.

Tudo clarearia?

Fazia o almoço diligente e delirante,com movimentos precisos,numa aparente calma. Cortava os legumes com a faca grande e afiada, presente dele.

O burburinho à minha volta, a conversa animada não me alcançavam. O meu corpo atuava só na superfície: um ensaio de sorriso,um olhar rápido,sem deiar pistas,sem destino certo.

Ninguém viu o olho fundo-seco-vítrio-enorme, crescido nas órbitas,viciados no desespero.Ninguém percebeu o silêncio se instalando.

Fiquei mais quieta que o normal, tive a companhia do silêncio dele.

Meu silêncio escondia,encerrava,poupava. O silêncio dele estava pronto para explodir,destruir,combater,mudar a ordem das coisas.

A fúria instalada soltava pequenos raios dos olhos cor de mel,que me atingiam como dardos cegos,corrompendo meus sentimentos,aumentando as reservas negativas. O choro subia pelo estômago,oprimia meu peito;a boca seca,os olhos agora úmidos,contidos num esforço supremo,impediam que a primeira gota de lágrima escorresse pela minha face macilenta.Como seria na cama grande,nós dois,quando a escuridão do quarto nos isolasse mais ainda em nossas incompreenssões?
Queria descobrir de onde vinha meu pânico,meu medo,meu pressentimento do que poderia acontecer...
Terminei de fazer o almoço. Tudo limpo,arrumado. Finda minha obrigação do dia.
O aroma de temperos se espalhava pelo ar,além da cozinha. Olhei a faca de inox limpa, vi meu rosto quase sereno refletido nela,coloquei alguns fios dos meus cabelos negros e compridos,que se soltaram,atrás da orelha.
Fui cortando o pulso lentamente,profundamente muito além da dor. Observei por um instante a beleza do líquido vermelho-grosso,contrastando com a bancada branca da cozinha,onde desenvolvia meus afazeres de todos os dias para bem alimentar os meus.
Acompanhei o fio que escorria até o chão,também branco,da cozinha. Sorri. O céu é branco e as estrelas são vermelhas !
A pressão no peito ia sumindo em uma doce vertigem.
Fui caindo
caindo
caindo...
Mirna não viu. Ele. Correndo em sua direção e,se deparando com a trágica cena, alcança-a com as mãos,ergue-a num abraço dolorido gritando desesperado:
_Por que?
Por que?
Por que?
Era tarde, muito tarde...


Nenhum comentário:

Postar um comentário