sexta-feira, 5 de março de 2010

O QUE ME DEFINE

Quarenta graus à sombra,ontem,me jogou no sofá diante da tv,às catorze e poucas horas.
Calor,muito calor! Tv é uma coisa que não me atrai muito,hoje em dia;você acessa cem canais mais ou menos que só repetem assuntos.Um saco!
Passeio prá cima e prá baixo com o controle e,paro curiosa,numa cena em branco e preto de um filme espanhol ou mexicano,sei lá !
Um quarto,uma mulher em roupas íntimas diante do espelho passando as mãos pelo corpo,fazendo as seguintes perguntas:
_O que me define? São as minhas ancas largas? São as minhas curvas suaves? Minha pele macia?Meus cabelos negros e sedosos,ou será o meu olhar intenso?
De repente,quase inconsciente, dei conta de que me fazia a mesma pergunta,com certo receio de não gostar da resposta ou pior, não encontrar resposta ou ainda encontrá-la,conhece-la e preferir deixá-la no mesmo lugar como um embrulho esquecido.
Vamos lá! Tenho prá mim que o que me define não é definitivo,não está pronto,é flexível e não está na minha aparência que funciona mais como moldura de boa ou má qualidade. O que me define é tudo aquilo que me construiu e que ainda me costrói;coisas que acontecem no momento e não passam batido,coisas que acontecem dentro do espaço de quatro anos ,por exemplo. Confuso? Não prá mim.
A base,o ponto de origem é a familia.
Fui criada com relativa dificuldade,dividida com cinco irmãos,um pai autodidata,filho de índia com português;mãe pantaneira,analfabeta com uma grande frustração:"não ter estudo".Ambos lutadores,sobreviventes.
Fui muito mais a "filhinha do papai",boa ouvinte de suas histórias e conselhos. O dia a dia duro,me amadureceu rápido,cedo e, me isolou. Aprendi a não pedir nada pois,percebi que nem tudo que sonhasse ter,conseguiria:a boneca exposta na vitrine que abria e fechava os olhos,meu maior sonho de consumo na época. Por outro lado,o Papai Noel deixava sobre meus sapatos surrados,na janela:boneca de pano,ou sem articulação,daquelas toda colada,ou panelinhas;não me lembro dele falhar em nenhum natal de minha infancia;porém vivia numa espectativa dele falhar e, por proximidade,de meu pai,minha mãe não estarem lá,um medo que crescia dentro de mim.
Não vivia o presente,achava tudo muito frágil,me tornei uma cabeça de fósforo eternamente acesa.
_"(Se meus pais morressem,o que seria de mim,de nós?)"
Crescemos longe de parentes,não os conhecia,por conta da história de meu pai,que soube quando não era mais uma menininha, não tivemos contato com tios,primos,avós.
Tornei-me introspectiva,pensativa,com uma relativa timidez,confundida com orgulho,uma amiga,porém não me abria com ela. Os meus primeiros anos no colégio foram difíceis,não conseguia me enturmar,só foi bom doponto de vista do aprendizado:depois que aprendi a ler eu descobri o mundo.
Mundo estranho fora de casa,onde era super protegida pelo meu pai.Porém ,foi fora de casa,que encontrei um lugar muito especial:a biblioteca do colégio,que descobri por acaso. A hora do recreio passou a ser esperado com ansiedade,pois passava todo ele na biblioteca lendo;as prateleiras das estantes recobriam as quatro paredes com livros de contos de fadas,devorados por mim,nos quatro primeiros anos em que frequentei esse colégio de freiras.
Mundo novo,povoado de fadas,príncipes que viravam sapos,monstros,princesas adormecidas,prisioneiras,seres alados que brilhavam ao sol,minúsculos,bruxas más,poções,anõezinhos,lobos maus,etc. Depois vieram os romances que lia até terminar,muitas vezes lidos à luz de velas prá meu pai não ver que eu ainda estava acordada ,às três da manhã,lendo. Vivia com olheiras e,vivia muito mais nas histórias que lia;tudo isso me tornou boa aluna ,mas dificultou nas relações: amigos, namorado.
Minha profissão,num primeiro momento,surgiu como tábua de salvação,uma forma segura para sobreviver,não gostava,porém me tornei ótima nela e, no final descobri que adorava o que fazia:professora de crianças,formada em História.
Durante o segundo grau feito no interior de São Paulo,em bom colégio público,era incentivada pelos professores,cada um em sua área a ser jornalista,a me dedicar à arte,pois tinha talento para o desenho. Meu pai queria que eu prestasse concurso para ser bancária,sonho dele,enfim optei pela necessidade de arranjar um trabalho logo,estava em jogo minha segurança.
Casei,tive dois filhos,muito amados.
No momento estou em recuperação de uma separação muito sofrida,um casamento de vinte cinco anos sem brigas. O primeiro ano,2007,foi terrível,o segundo a mesma coisa,não dormia ,não comia,só chorava,em qualquer hora e local,diante do filho mais velho que me abraçava,diante de conhecidos que indagavam,que não entendiam como o casal vinte,se separou. Fiquei hipertensa,hoje a pressão já está um pouco mais normal,mas ainda tomo remédio,tenho gastrite , um pouco de pânico .
São três anos que considero de desperdício,pois parei no tempo,a depressão me colocou sentada numa cadeira,num canto escuro da casa,com o olhar fixo na porta entreaberta,olhando para a rua,para a claridade lá fora,numa esperança de que ele surgiria ,o tempo foi passando,a vida foi passando,o que era constante além do choro,era a sensação de desamparo , injustiça e vergonha. Meu grande erro:colocar minha vida nas mãos dele,pois quando ele foi embora,levou meu amor,levou o amigo,levou meu braço,meu abraço,minhas pernas,o caminho.Não houve brigas,houve o descuido,a acomodação,numa relação de conforto,segurança,confiança,pelo menos eu assim entendia.
Ainda tinha meus sonhos,porém agora ele fazia parte deles,eram tão certos que via nós dois velhinhos,saudáveis,cheios de humor,cumprindo a promessa que me fiz secretamente:"Até que a morte nos separe e,que eu vá primeiro."
É, no fundo,no fundo eu ainda vivia como nos contos de fadas,acreditando no "felizes para sempre e, esquecendo de avisá-lo.
Costumo dizer que estou sendo levada,por enquanto,não sei prá onde,nem até quando; respondo quando quero e,quando me perguntam;não procuro mais questões,nem monto quebra-cabeças existenciais. Quero viver na superfície,pois o contato mais profundo me assusta,se estou certa ou errada,pouco importa,pois ganhei o passaporte prá fazer ou não,besteiras.
Quanto ao amor,ele se tornou protetor com meus dois filhos muito amados(eles o sabem) e, amigo com minha sobrinha,que ouviu e viu meu sofrimento e, companheiro ,com Veludo.
Há mais uma coisa:já estou conseguindo erguer a cabeça quando faço minhas caminhadas matinais,porém a vergonha de ver sua vida,sendo julgada nas ruas e becos de meu bairro,pelos curiosos,ainda existe.Quero encerrar com humor,prá disfarçar um pouco:
"Minha vida com ele foi uma biga,eu,uma roda de madeira,ele, um pneu inflável... Numa rua de pedra lascada...Numa corrida louca...Pensa.
AH! Vi outro filme: Ambos no quarto,ele em pé com as malas prontas,ela sentada na beira da cama.
Ele: Você é uma boa mãe,uma mulher maravilhosa,eu também sou um bom pai...
Ela: Então por que ,Henrrique?
Ele:Me dei conta de que estou envelhecendo,minha vida inteira dediquei a essa família.meu tempo está se acabando,quero esse que me resta,prá mim,só prá mim,eu mereço!
Última informação:o filme é mexicano.Desliguei a tv e pensei:"see you in heven"(DO FIME!)

Me perdoem se tiver erros,escrevi sem ler.

2 comentários:

  1. Querida tia , amada amiga. Lindo o que escreve!Sempre!
    Sou sua seguidora!
    Amo você !!!!

    Andrea

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  2. Tia... vc é linda... e eu te adoro demais!!!!
    Me identifiquei mto com essas palavras que tocaram profundamente meu coração... pessoas como vc são especiais e devem sempre viver de cabeça mto erguidas... pq são exemplos de VITÓRIA!!!!!

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